O Desafio
de Ser Cristianismo
Roberto
Albuquerque dos Santos
A concatenação das diretrizes
sociais encontradas nas linhas e nas entre linhas dos Evangelhos – que se
ocupam com a biografia de Cristo e sua obra – lança sobre qualquer discípulo,
em particular, ou as comunidades evangélicas, não apenas o desafio de
manifestar atributos que envolvem simplesmente a relação interpessoal, mas
também o cuidado filantrópico, espiritual emocional e até a inclusão social. O
individuo que encara o cristianismo apenas como uma religião optativa,
tradicional ou um modo de vida, não conseguiu enxergar ainda os desafios nele
inserido.
Embora a condição para se chegar ao ápice da mensagem cristã seja a graça divina, ou seja, a salvação – a doutrina Soteriológica inclui a fé, tornando-a condicionada a uma atitude exclusiva em Cristo. Esse aspecto expõe a obra redentora e seus similares, como a regeneração e justificação, nas prerrogativas cristológicas enquanto a pessoa de Cristo, no âmbito cristocêntrico. Assim, esse aspecto de salvação não se incumbe a Eclésia (Igreja, como instituição), mas a fé no salvador. Enquanto expõe essa particularidade aos homens, os Evangelhos e as Epístolas condicionam a que essa mensagem se condense na vida dos mesmos a partir de uma nova vida. Esses homens com “vidas novas” têm diante de si desafios cada qual em sua época. Exemplo do enunciado é que a igreja do primeiro século precisou – nos primeiros decênios de sua existência – conviver em uma espécie de sistema comunal, ou seja, a ansiedade de um iminente retorno de Cristo a terra e a expectação por uma vida espiritual abundante os tornaram em um grupo centralizado, principalmente em Jerusalém. Essa forma de convívio precipitou entre os cristãos a necessidade material (bens de sobrevivência). Esse desafio interno do cuidado dos irmãos em Jerusalém, de certa forma, foi introduzido nas viagens missionárias de Paulo, que arrecadava donativos para enviar aos mesmos. Igualmente, ainda no primeiro século, a convivência com a diversidade de culturas e elementos sociais, como a escravidão ou mesmo a perseguição religiosa, denunciaram à Igreja da época, a necessidade de manifestar postura ante tais realidades.
Embora a condição para se chegar ao ápice da mensagem cristã seja a graça divina, ou seja, a salvação – a doutrina Soteriológica inclui a fé, tornando-a condicionada a uma atitude exclusiva em Cristo. Esse aspecto expõe a obra redentora e seus similares, como a regeneração e justificação, nas prerrogativas cristológicas enquanto a pessoa de Cristo, no âmbito cristocêntrico. Assim, esse aspecto de salvação não se incumbe a Eclésia (Igreja, como instituição), mas a fé no salvador. Enquanto expõe essa particularidade aos homens, os Evangelhos e as Epístolas condicionam a que essa mensagem se condense na vida dos mesmos a partir de uma nova vida. Esses homens com “vidas novas” têm diante de si desafios cada qual em sua época. Exemplo do enunciado é que a igreja do primeiro século precisou – nos primeiros decênios de sua existência – conviver em uma espécie de sistema comunal, ou seja, a ansiedade de um iminente retorno de Cristo a terra e a expectação por uma vida espiritual abundante os tornaram em um grupo centralizado, principalmente em Jerusalém. Essa forma de convívio precipitou entre os cristãos a necessidade material (bens de sobrevivência). Esse desafio interno do cuidado dos irmãos em Jerusalém, de certa forma, foi introduzido nas viagens missionárias de Paulo, que arrecadava donativos para enviar aos mesmos. Igualmente, ainda no primeiro século, a convivência com a diversidade de culturas e elementos sociais, como a escravidão ou mesmo a perseguição religiosa, denunciaram à Igreja da época, a necessidade de manifestar postura ante tais realidades.
“Mas, sem dúvidas, o
cristianismo primitivo promoveu uma grande mudança social em certas regiões. A
Igreja de Jerusalém insistiu na igualdade espiritual dos sexos e deu muita
importância as mulheres. A liderança de Dorcas na promoção das obras de
caridade foi registrada por Lucas (At. 9.36). (...) A Igreja não atacou a
instituição da escravidão diretamente; possuir escravos também não era proibido
aos cristãos. Entretanto, o cristianismo minou aos poucos a instituição da
escravidão ao recordarão senhor e ao escravo cristãos que eles eram irmãos em
Cristo”.[1]
Na Idade Média, onde a Igreja
se tornou Imperial, os conflitos mais acirrados foram os dogmáticos, que
levaram à Concílios – desde o século IV, e que obrigaram os apologistas da fé a
defenderem tanto as Doutrinas Bíblicas Cristocênctricas ou Teológicas como os
Dogmas Institucionais dos constantes ataques de hereges e opositores do
Cristianismo. Assim, conforme Earle Cairns:
“Entre 313 e 451, as
controvérsias teológicas resultaram em concílios que tentaram resolver as
questões em disputas através da formulação de credos.
Houve dois grandes períodos
de controvérsia teológica na história da Igreja. Os grandes credos do
Protestantismo foram forjados no período da disputa teológica no tempo da
Reforma. O Período anterior de controvérsia teológica ocorreu entre 325 e 451,
quando concílios universais ou ecumênicos de líderes da Igreja foram convocados
para resolver conflitos. Esses concílios fizeram grandes formulações universais
como os credos niceno e atanasiano. Nesse período, estabeleceram-se os
principais dogmas da Igreja Cristã”.[2]
A História Moderna registra o
embate Filosófico, Deísta (racional)[3]
e Reformista. Mas esses desafios se encontram no campo teórico da fé, onde
conceitos foram revistos e outros foram adicionados a profissão de fé
universal, como os sacramentos, por exemplo.
Entrementes, o século XX
pintou um panorama sangrento superior aos das Cruzadas, das caças as bruxas,
Cismas ou mesmo a Peste Negra. As Guerras Mundiais (1914 – 1918 e 1939 – 1945)
revelaram a capacidade científica de destruição humana. O ateísmo materialista
advindo do século XIX encontrou espaço no imaginário popular ao se interrogar
sobre a existência de Deus e sua possível postura estática diante da dizimação
da raça humana; a especulação monetária resultante da transição econômica onde
o sistema capitalista encontrou sua força bruta na industrialização
proporcionando ao homem o poder de adquirir – por seu trabalho o que almeja –,
a utópica “independência” do Criador. Essa perspectiva é antagônica ao sistema
do primeiro milênio D.C. onde o feudalismo europeu se baseou na relação
suserano/camponês, como bem identificou March Bloch:
Na época em que, noutros
lugares, floresciam as instituições feudais, estas civilizações diferentes, à
margem do nosso Ocidente, certamente não tinham ignorado nem a dependência do
pequeno agricultor, escravo, liberto ou livre, perante um homem mais rico do
que ele, nem a dedicação do companheiro ao seu príncipe ou ao seu capitão de
aventuras; mas, pelo contrário, nada nessas civilizações fazia lembrar a vasta
rede hierarquizada de sujeições camponesas e de fidelidades militares à qual
damos o nome de feudalismo”.[4]
Mas o desafio do cristianismo
bíblico não é o de estabelecer relacionamentos políticos – como se pode ver no
exemplo acima com sua influência a partir da sociedade tripartite[5]
– mas de como harmonizar os indivíduos das diferentes classes sociais em uma
mesma sociedade. A exclusão social, como os escravos nas Américas no tempo da
colonização, o analfabetismo – que no contexto pós-moderno é fator determinante
para submeter comunidades nacionais (países) a simples status de
subdesenvolvidos – são, por exemplo, fatores divisórios entre a Igreja que
visava às missões, o Estado que almejava o domínio e os exploradores que
visavam o lucro.
Esses conflitos de interesses ainda se digladiam no campo ideológico. O processo histórico revela resquícios fortalecidos pelo imaginário popular ou por uma hermenêutica mal fundamentada nas Escrituras em que o cristianismo seja ou seria responsável por obras que pertencem ao Estado. Não pertence ao cristianismo a tarefa de acabar com a fome ou com o uso das drogas; não é de cunho eclesiástico a responsabilidade do desiquilíbrio social advinda da nefasta distribuição de rendas de um determinado país; aliás, o PIB de uma nação é estabelecido pela produção efetuada por seus cidadãos e não pelos dízimos ou ofertas, doações ou recursos obtidos em obras de caridade/filantrópicas. Não se teoriza dessa forma uma omissão da Igreja nas fraturas produzidas no corpo social global humano, mas uma participação ativa consciente do seu valor enquanto instituição religiosa ou credo[6]. Assim, é imprescindível a participação das comunidades na inclusão social com oficinas, aulas de reforços escolares, cursos profissionalizantes, etc. Essas atividades podem ser efetuadas com trabalho voluntário de profissionais nas áreas. Gritar contra a exploração da Amazônia, alertar sobre o cuidado com a ecologia, como a coleta seletiva do lixo, o uso consciente da água ou até mesmo o uso de catalizadores nos automóveis para diminuir a poluição não deixa de ser relevantes. Mas a questão não está apenas na educação do povo comum ou não. Essa didática é – em termos gerais – "tarefa fácil". O desafio do cristianismo seria enfrentar as grandes corporações que engendraram a globalização a partir de sistemas que tornaram o planeta em um simples quintal de empresários. A promessa do lucro fácil, empregos e desenvolvimentos nem sempre são acompanhadas das intenções de exploração dos recursos naturais das áreas focadas. Mas as lideranças eclesiásticas não conflitam diretamente com o capitalismo; sobre essa relação, fragmentamos Rubens Alves:
Esses conflitos de interesses ainda se digladiam no campo ideológico. O processo histórico revela resquícios fortalecidos pelo imaginário popular ou por uma hermenêutica mal fundamentada nas Escrituras em que o cristianismo seja ou seria responsável por obras que pertencem ao Estado. Não pertence ao cristianismo a tarefa de acabar com a fome ou com o uso das drogas; não é de cunho eclesiástico a responsabilidade do desiquilíbrio social advinda da nefasta distribuição de rendas de um determinado país; aliás, o PIB de uma nação é estabelecido pela produção efetuada por seus cidadãos e não pelos dízimos ou ofertas, doações ou recursos obtidos em obras de caridade/filantrópicas. Não se teoriza dessa forma uma omissão da Igreja nas fraturas produzidas no corpo social global humano, mas uma participação ativa consciente do seu valor enquanto instituição religiosa ou credo[6]. Assim, é imprescindível a participação das comunidades na inclusão social com oficinas, aulas de reforços escolares, cursos profissionalizantes, etc. Essas atividades podem ser efetuadas com trabalho voluntário de profissionais nas áreas. Gritar contra a exploração da Amazônia, alertar sobre o cuidado com a ecologia, como a coleta seletiva do lixo, o uso consciente da água ou até mesmo o uso de catalizadores nos automóveis para diminuir a poluição não deixa de ser relevantes. Mas a questão não está apenas na educação do povo comum ou não. Essa didática é – em termos gerais – "tarefa fácil". O desafio do cristianismo seria enfrentar as grandes corporações que engendraram a globalização a partir de sistemas que tornaram o planeta em um simples quintal de empresários. A promessa do lucro fácil, empregos e desenvolvimentos nem sempre são acompanhadas das intenções de exploração dos recursos naturais das áreas focadas. Mas as lideranças eclesiásticas não conflitam diretamente com o capitalismo; sobre essa relação, fragmentamos Rubens Alves:
“(...) o desenvolvimento do
capitalismo exige a criação de mecanismos coercitivos fortes. Doutra forma não
se pode criar a racionalidade de que o capitalismo depende. Os setores liberais
empresariado ainda alimentam a ilusão de um sistema de livre
competição protegido por um Estado frouxo e democrático. A Igreja tenderia a
concordar com o diagnóstico do Estado, acerca da relação entre capitalismo e
repressão. Mas enquanto isso justificaria a repressão do ponto de vista do
Estado, o mesmo fato tornaria o capitalismo ilegítimo, do ponto de vista da
Igreja”.[7]
Então, o que pode a Igreja
realizar ante a exploração do trabalho infantil em continentes como o Africano
ou países como a China? qual atitude tomar para evitar o uso indiscriminado de
cobaias humanas em testes de supostos remédios pelas grandes corporações
farmacêuticas nos países pobres? Tem o cristianismo responsabilidade na adoção
de determinado sistema político adotado por um país, como o socialismo, a
democracia ou a monarquia? No primeiro caso, denunciar; o segundo não parece
ser o objetivo do Evangelho, no entanto, o mesmo não exclui o cristão da
responsabilidade de optar como cidadão nacional.
Em seu contexto histórico, Jesus se deflagrou com a desigualdade social judaica e o despotismo romano. Mas sua mensagem não foi um clamor por uma revolução política ou institucional. Seu discurso objetivou em resgatar o homem dominado pelo outro homem e pelo pecado. Esse homem dominado pelo outro homem não é político, mas conceitual, excluído, coisificado. Ele – Jesus – não aceitou a espada de Pedro (contra os judeus ou romanos) nem os conselhos de Tiago e João para se livrar dos que não o aceitavam (os samaritanos). Foi ciente das dificuldades da miséria social e dos distúrbios exegéticos quanto a Torá pelos religiosos da época, socorrendo os primeiros e enfrentando os segundos argumentando o amor em vez da obediência irrestrita a um sistema hipócrita e fadado ao declínio por não expor uma opção de melhoria ao ser humano. Um dos maiores desafios de Jesus não foi Roma, as lideranças religiosas da época ou a cruz, mas foi torna-se compreensível, pois sua mensagem falava de uma liberdade que as pessoas não estavam acostumadas a viverem; sua mensagem falava de valorização, autoestima, salvação, fraternidade, etc. Jesus não fechou os olhos à miséria existente, mas orientou seus discípulos e junto com eles alimentou a muitos (não a todos, nem sempre); curou a muitos; não se absteve do convívio social; não condenou seus inimigos. O cristianismo não pode está baseado em paradigmas atuais. O maior desafio do cristianismo na presente época não é mudar o mundo, embora tenha a responsabilidade de empenhar-se em melhorá-lo, mas continuar sendo o cristianismo de Cristo, como bem expressou C.S. Lewis:
Em seu contexto histórico, Jesus se deflagrou com a desigualdade social judaica e o despotismo romano. Mas sua mensagem não foi um clamor por uma revolução política ou institucional. Seu discurso objetivou em resgatar o homem dominado pelo outro homem e pelo pecado. Esse homem dominado pelo outro homem não é político, mas conceitual, excluído, coisificado. Ele – Jesus – não aceitou a espada de Pedro (contra os judeus ou romanos) nem os conselhos de Tiago e João para se livrar dos que não o aceitavam (os samaritanos). Foi ciente das dificuldades da miséria social e dos distúrbios exegéticos quanto a Torá pelos religiosos da época, socorrendo os primeiros e enfrentando os segundos argumentando o amor em vez da obediência irrestrita a um sistema hipócrita e fadado ao declínio por não expor uma opção de melhoria ao ser humano. Um dos maiores desafios de Jesus não foi Roma, as lideranças religiosas da época ou a cruz, mas foi torna-se compreensível, pois sua mensagem falava de uma liberdade que as pessoas não estavam acostumadas a viverem; sua mensagem falava de valorização, autoestima, salvação, fraternidade, etc. Jesus não fechou os olhos à miséria existente, mas orientou seus discípulos e junto com eles alimentou a muitos (não a todos, nem sempre); curou a muitos; não se absteve do convívio social; não condenou seus inimigos. O cristianismo não pode está baseado em paradigmas atuais. O maior desafio do cristianismo na presente época não é mudar o mundo, embora tenha a responsabilidade de empenhar-se em melhorá-lo, mas continuar sendo o cristianismo de Cristo, como bem expressou C.S. Lewis:
“(...) a Igreja não
existe senão para conduzir os homens a Cristo, para fazer deles pequenos
Cristos. Se não cumprir exatamente esse objetivo, todas as catedrais, todo o
clero, missões, os sermões e a própria Bíblia serão pura perda de tempo. Deus
não se fez homem por nenhuma outra razão”.[8]
[1]
Cairns, Earle C. – O Cristianismo Através dos Séculos; Ed. Vida Nova; SP; 2008.
pp. 50, 71.
[3] Augustus H. Strong, em
sua Teologia Sistemática, vol. I Ed. Teológica; p. 607, explica que “Esse
ponto de vista representa o universo como um mecanismo auto-sustentado (sic) no
qual Deus afastou-se tão logo o criou e que o abandonou a um processo de
auto-desenvolvimento (sic). Defenderam-no nos séculos dezessete e dezoito os
ingleses HERBERT, COLLINS, TINDAL e BOLINGBROKE”.
[4] Marc Bloch – A Sociedade
Feudal; Edições 70; Cap. VII: O Paradoxo da Vassalagem
[5] Essa estrutura é
debatida por Jacques Le Goff: A
Civilização do Ocidente Medieval. Bauru: EDUSC, 2005. p. 9,10.
[6]
Defensores da
Teologia da Libertação, principalmente na América Latina, têm se aplicado a uma
esfera de ação mais comprometida por parte da Igreja com a obra social. Como a
abordagem sobre o assunto demanda em si mesmo tema para dissertação, citamos
entre tantos outros, a invocação ao debate por Rubens Alves em “o Suspiro dos
Oprimidos”, Ed. Paulus; SP; 1999. P. 137,138: “Como relacionar o comportamento da Igreja com as classes sociais? Será
que as tendências ideológicas contraditórias, em torno das quais se construíram
os conflitos de 50 e 60 se superpõem às linhas demarcatórias entre uma classe e
outra? Se, hipoteticamente este não for o caso, teríamos de invocar uma
relativa autonomia dos fatores ideológicos para explicar as diferenças? Todas
estas questões giram em torno da problemática Igreja-Estado, que se tornou o
ponto central das discussões do momento e que, dada a sua novidade ainda não
produziu obras de vulto sobre o assunto”.
[7] Op. Cit. 139.
[8] C. S. Lewis – Mero
Cristianismo; Ed. Quadrante; SP p. 195,
Que bom que gostou Manoel, divulgue e participe. é um prazer tê-lo conosco.
ResponderExcluirabraço.