Total de visualizações de página

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Jacques Louis David: Arte e Crítica na Tela

Roberto Albuquerque dos Santos

O texto abaixo não tem o objetivo de ser uma análise biográfica ou completa da vida e obra de David; apenas uma análise icnográfica sintética de algumas de suas obras em relação ao momento político da França, em seu tempo.

Auto Retrato
Jacques Louis David nasceu na França em 30 de agosto de 1748 e morreu em 29 de dezembro de 1825 em Bruxelas. Pintor claramente neoclassicista; um dos mais importantes de sua época, assim, foi o pintor oficial da Corte e do Imperador Bonaparte.
De família próspera, estudou arte com François Boucher (Rococó) – parente distante – que o indicou a um classicista por nome Joseph-Marie Vien. Após fracassar em quatro tentativas ao prêmio de Roma, ingressou naquela escola, onde obteve inúmeros sucessos.  

Juramento dos Horácios

Uma de suas primeiras obras primas foi o “Juramento dos Horácios”, cujo trabalho se caracterizou pelo ambiente dramático e manifestação dos ideais neoclassicista. O ato de saudação romana ante a presença do pai e das mulheres (representando a família – imagem feminina demonstrando a afetividade, emoção e dor, sentimentalismo, à direita do quadro, sentadas, chorando; enquanto os personagens masculinos são mostrados à esquerda, em pé, inflexíveis, determinados) forjava a idéia que os interesses públicos estão acima dos interesses próprios, privados ou familiares. Embora o quadro tenha sido feito cinco anos antes da Revolução Francesa, apontava para os ideais republicanos, um tema que não se afastaria por muito tempo.  Este quadro levantou opiniões furiosas a seu respeito.

A Morte de Sócrates

Outra obra de grande destaque foi “A morte de Sócrates” - utilizado como forma de comunicação com os revolucionários franceses; transmite uma clara mensagem de esperança e de necessidade de luta aos iluministas; a evocação do tema em 1787 é considerada um convite para que todos os franceses questionassem a condição privilegiada do primeiro e segundo Estado. A mensagem é que por mais que demore para que os objetivos sejam alcançados, as idéias, que são eternas a partir do momento em que são registradas, conduzirão para a liberdade. A mensagem central é que não se deve temer a morte quando se tem convicção dos ideais defendidos; os discípulos ao lado extremo chorando demonstra que as emoções (tristezas) devem ser deixadas em segundo plano. Pela imagem do quadro, não importam as mentiras e injustiças que resultasse do confronto entre o iluminismo e o velho regime, o importante era o ideal de um mundo melhor sem um monarca absolutista, sem a aristocracia parasitária e sem o clero sacralizador de ambos através do catolicismo. Esses ideais teriam que ser levados até as últimas conseqüências.


Marat Assassinado

Com a obra “Marat Assassinado”, David dialoga com obras sobre o martírio de Cristo (Pietá de Giovani Bellini e a Pietá de Michelangelo). David procura retratar o personagem e não a realidade fidedigna.

  1. Semelhanças - posição do corpo na cena, gestos, ferimentos, elementos de decoração, etc. As três obras apresentam semelhanças em: os corpos sem vida e despencados. Marat, preso pelo braço na banheira; os outros Cristos estão no colo da virgem Maria. Na mão de Marat um escrito em vez das chagas; um ferimento acima do peito; um turbante em Marat faz referência à coroa de espinhos; Marat morto procura dar uma sensação de perda e de eternidade, isso é mostrado em uma inscrição no caixote "à Marat" que rompe com o efêmero e inclui na eternidade o personagem cívico. Outros pontos comuns da obra são a limpeza estética dos corpos apesar do sofrimento de ambos.
  2. Aproximações biográficas - estão mais relacionadas às causas da morte. Cristo morreu pelo que falou; Marat pelo que escreveu. Cristo não pretendia fazer de suas idéias um discurso político, seu caráter era religioso; Marat era eminentemente político e voltado para a defesa da Revolução, atuou como porta voz da multidão, enquanto Cristo não se apresentava como líder político.
  3. Uso da Iconografia católica - busca por elementos para a fabricação dos heróis revolucionários. as iconografias que estavam presentes no imaginário popular, foram apropriados pelo artista revolucionário e utilizados para a construção desses heróis revolucionários.
 Essas semelhanças têm por finalidade apresentar Marat como um “novo Jesus Cristo” – Sacrificado por um objetivo. Essas atitudes tentaram buscar a unidade da convenção montanhesa que estavam divididas com a eliminação de Herbert e Danton.
O Rapto das Sabinas

“O Rapto das Sabinas” retrata primórdios da história de Roma, quando se confrontou com os sabinos por causa de mulheres. Para David, os conflitos vividos por romanos e sabinos muito se assemelhavam aos vividos na França, que estava totalmente desorganizada. Os revolucionários que em principio estavam unidos, agora estavam em conflito. A ação de Hercília intervindo no combate entre Tácio e Rômulo impedindo que ambos se mantivessem, é uma alusão a proposta de pacificação da sociedade francesa, pondo terminantemente, um fim nas lutas políticas revolucionárias. Neste quadro, diferente dos demais, as mulheres – até então – passivas, emocionais em extremo, desequilibradas, saem de seu espaço privado e irrompem na cena pública.
O Estado é representado na figura da loba (escudo de Rômulo); mesmo entre os guerreiros, Hercília é mostrada menor que eles, não impedindo que cruzem os seus olhares. Isso demonstra que o Estado não está justaposto aos interesses individuais, ele está sendo colocado de lado. Ao se olharem, Tácio e Rômulo reconhecem os laços familiares que se formaram. Esse quadro difere do quadro O Juramento dos Horácios (ver acima), onde o olhar entre pai e filhos não é possível, pois entre eles existe algo mais importante, ou seja, o Estado representado pelas espadas. O mesmo detalhe pode ser visto no quadro Brutus (abaixo).

Brutus
Quando seus filhos chegam (mortos) em casa, Brutus também não olha para eles. Entre eles é vista uma estátua tendo o símbolo da fundação de Roma. Essas obras evidenciam de forma clara que o interesse público está acima do privado. Nas Sabinas, David propõe que o Estado naquele momento fique em segundo plano e que seus interesses não seja colocado em primeiro lugar em prol da harmonia do povo francês, que estava cansado de tantas lutas. Para David, era necessário se colocar as diferenças e conflitos de lado, se olharem e se reconciliarem como membro de uma mesma família. O quadro faz um apelo ao uso racional da emoção e o não desprezo da emoção pela razão. Para David, o ódio gerado pela revolução deveria ter fim. No quadro, a presença das crianças são símbolos dos frutos da revolução, e esses sim, deveriam ser preservados, pois se os franceses continuassem em luta, pouca coisa ou nada restaria da revolução.
Outra interpretação coloca na ação de Hercília a figura de Napoleão, que seria o responsável pela paz na França.


Napoleão em seu Estúdio

David pintou algumas mensagens retratando o Imperador Napoleão. Na obra “Napoleão em seu estúdio” - quadro não encomendado pelo Estado, mas por um escocês. Napoleão é retratado na madrugada, fato atestado pelo relógio (04h20min) e por uma vela quase consumida. Napoleão é retratado em seu uniforme, impecável, demonstrando que trabalhou toda a noite. O único deslize é um botão desabotoado no pulso esquerdo. O quadro quer passar a imagem de um homem infatigável, que dedicava o dia e a noite a nação francesa. Isso também é simbolizado na pena e no papel sobre a mesa. Perto de sua mão, sobre uma cadeira, está sua espada, o que dá uma idéia que, mesmo sendo imperador, Napoleão era um guerreiro pronto para a batalha. Na parede, uma águia simboliza a liberdade. A estátua de um leão traz a idéia de reinado, de vitória. O ambiente em que é retratado é luxuoso e de grande acervo literário além de elementos advindos de outros países. Esse cenário é para dignificar um homem como era Napoleão. Em pose digna e firme àquela hora da madrugada, Napoleão é mostrado como um homem que trabalhava para manter firme o império que conquistou.

Coroação (Sagração) de Napoleão

“A Sagração de Napoleão” tinha por finalidade promover o império. Fazia parte de um projeto de 3 quadros. Trata da coroação de Napoleão. David foi o responsável pela decoração da Igreja; queria que fosse ao ar livre, mas Napoleão recusou. Não queria ser coroado a vista do "populacho". Napoleão tinha atritos com a Igreja, a presença do Papa (convidado) visava firmar aliança. Em meio a cerimônia, Napoleão coroa a si mesmo, feito que realizou de costas para o Papa (a Igreja). Com isso queria passar a idéia que tudo que conseguira era fruto de seu esforço e trabalho. Que seu sucesso não advinha de Deus, mas dele mesmo, que seria um monarca diferente, esforçado e não dependente do clero. No quadro, o Papa aponta para Napoleão com ar de assustado, sem entender o que estava acontecendo, ou apontando para aquele que iria governar com grande sucesso. O quadro representa o homem que fez sua própria história (visão liberal); que todo resultado da revolução devia a um só homem.
Distribuição de Estandartes de Águias

“Distribuição de Estandartes de Águias” - Os personagens desse quadro contrastam em suas ações com os personagens do Juramento da Péla (abaixo) e o Juramento dos Horácios. Nesses quadros, os personagens fazem juramentos ao Estado; Nesse quadro, o juramento é feito a um único homem, assim, o individual toma o lugar do coletivo. As pretensões políticas de interesse da República já estavam se perdendo.

 Leônidas nas Termópilas

Leônidas nas Termópilas - Tem relação direta com os acontecimentos politicos-militares que marcaram aquele ano (1814). O quadro fala de força e resistência, além de coragem. Leônidas e Napoleão foram homens da guerra e perpetuaram sua história nesse campo. São figuras emblemáticas de revolução e ruptura. São símbolos de luta estimulados pelo patriotismo resistindo mesmo diante de inimigos mais numerosos e com poder militar superior.      

          Cruzando os Alpes (David)             Cruzando os Alpes (Delaroche)

Com a pintura “Travessia do Grande S. Bernardo” ou “Travessia dos Alpes” (mais conhecido) os elementos da natureza são descritos como o indicador (o vento) das vitórias apontando para frente o rabo e a crina do cavalo e o manto de Napoleão. Esse, por sua vez, olhando para o público, convida-os a participar de suas conquistas. Nas pedras, há o nome de 3 heróis: Aníbal, Carlos Magno e o próprio Napoleão.  Em contrapartida, Delaroche representa de forma antagônica o cenário de David em seu quadro. Desfigura o Imperador dando-lhe roupas acinzentadas (ao invés de coloridas e vias de David) que lhe servem apenas de proteção ao frio e não um uniforme de poderio militar. Sentado em uma montaria inferior ao destemido cavalo figurado por David.

                 
Appeles Pintando Campaspe

 Apelles Pintando Campaspe - Apelles foi considerado o maior pintor da antiguidade. Foi pintor oficial de Alexandre e seu pai Felipe. Requisitado para pintar a amante de Alexandre, Apelles se apaixona por ela; diante disso Alexandre cede-a a ele. No contexto da época, isso se relaciona com a idéia do contraste entre Napoleão e Alexandre, ou seja, Napoleão nunca havia reconhecido o valor de David, não o recompensando com um alto cargo no governo, pretendido pelo pintor. O quadro é um tipo de recado a Napoleão por David, pois o mesmo achava-se ressentido pelo não reconhecimento do imperador.

Após a queda de Napoleão, David foi considerado um dos inimigos da monarquia, porém foi anistiado por Luis XVIII que lhe ofereceu posição em seu reinado; David recusou tal oferta preferindo o exílio em Bruxelas, onde pintou outros quadros, vivendo até sua morte, por atropelamento sair de um teatro). 


Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Ateísmo dos que tem fé

Roberto Albuquerque dos Santos
Deus...um termo ou um sujeito? Realidade, ficção ou apenas uma tese filosófica ou teológica? Um objeto da religião ante os conceitos da ciência ou uma forma do homem espiritualizar a carência por um ser poderoso que o proteja? Deus, considerado amor e ao mesmo tempo considerado injusto pela mesma pessoa; querido em algum momento e negado em outro.
O salmista afirma que o néscio implica em seu coração que Deus não existe; mas o que levaria o néscio a pensar tal coisa? Seria esse néscio apenas um tolo ou alguém que no passar dos anos se viu em uma densa tendência a desacreditar em quem ensinaram a crer?  A religião cria concepções, infunde a fé, mas não a solidifica. Nessa perspectiva Deus fica a mercê de existir ou não a quem foi ensinado, já que o que solidifica a fé é a experiência, principalmente para o cético.
Quando alguém professa sua fé na existência de Deus não entende que a partir desse momento também concebeu o tempo da existência desse mesmo Deus em sua vida. Embora pareça estranha tal afirmativa, ela se manifesta e se testemunha a partir das circunstâncias vividas por cada pessoa. Não são poucos casos de pessoas que ora são crédulas e pouco depois desacreditam que Deus possa fazer algo por elas. Nessas circunstâncias Deus não existe. Não existe porque é considerado inoperante ou insensível; não se nega Deus apenas não acreditando na sua existência, mas negar sua presença é considerá-lo não existente. Por um lado isso se concebe a partir da impossibilidade Dele não estar em todo lugar ao mesmo tempo – onipresença; por outro lado, a eficácia da incredulidade abate o entusiasmo da fé e para um homem sem fé, Deus se torna passivo, sem forças, insensível, desnecessário. Essa é a perspectiva do néscio: ele não compreende que Deus não é o que fizeram ele conceber como Deus, nem tampouco o que ele (o néscio) queira que Ele (Deus) seja, mas que Deus em sua ontologia está desvinculado de qualquer produção humana, portanto Ele não necessita da fé ou da incredulidade do homem para ser o que é.
A busca dos gregos em compreender as causas dos fenômenos naturais propôs uma nova forma de encarar a relação entre a divindade e o adorador. Por muito tempo a reação da natureza foi encarada como uma resposta dos deuses acerca de diversos assuntos. A fartura sempre foi encarada como benção; a necessidade como maldição. Ora esses fatores desencadearam uma forma de se “medir” a benevolência divina para com uma pessoa, tribo e até povos. A complexidade de circunstâncias estruturou um conceito de relação que é conhecido como religião. A religião determina formas, meios, dogmas, estruturas, etc, de como o homem deve se relacionar com Deus. Não obstante, também concebe “Deus” à sua teologia. Da mesma forma que entre os politeístas havia/há quem não criam na intervenção de divindades no destino dos homens, há quem professe Deus e o negue quando as circunstâncias não lhe são favoráveis. É nesse enlace que o crente se comporta de forma semelhante ao cético; para ele Deus tem limite de existência. O néscio diz em seu coração (pensa) que Deus não existe; o que crer diz com seus lábios (fala): “Deus não existe aqui, não está comigo, estou só”! Assim, para ele, Deus não existe. Não existir não denota não ser real, denota em negação. Ao se negar a presença de Deus se nega a onipresença; ora, onipresença é um atributo divino e se não há onipresença não há Deus. Então, até onde Deus existe para o crédulo? Até o momento em que Ele é “útil”? Até o momento em que Ele se manifesta com “rapidez”? Não seria então o néscio um crédulo em estado de frustração perante o seu Deus? Quando o salmista estava em angústia a pergunta que mais lhe feria é quando lhe perguntavam aonde o Deus que ele cria estava. Asafe, salmista, confessa que por essas razões quase seus pés se desviaram (quase se torna cético).
Embora as implicações quanto à realidade da existência divina estejam inseridas no campo da teologia, filosofia e outras tantas, todas essas conjecturas têm como base a necessidade do homem. Qual o interesse de se negar a Deus? Uma forma de rejeitar em quem tanto esperou, ou uma forma de ignorar a quem pode e parece não se importar com o que ocorre no mundo? O conceito ideológico de que Deus criou o mundo e não se importa com o que acontece nele tem encontrado bastante acolhida nos dias atuais. Não é por acaso que filosofias de vida tem ganhado adeptos a cada dia (budismo, hinduismo, etc). Não é raro encontrar cristãos professando incredulidade no interesse de Deus por ele, como já dito anteriormente. Isso não apenas revela um estado de frustração pessoal advinda – muitas vezes – de um processo que desencadeia em depressão: revela que a fé entrou em conflito e quando isso acontece o resultado é a construção de um Deus não apenas limitado ao tempo, mas a situações, conveniências, um Deus passivo e, portanto, um Deus com características humanas. Esse processo se choca com a Teologia teândrica que ensina que o homem “evolui” até alcançar a natureza divina. Ora, por outro lado pode-se notar que pelo processo de incredulidade é a divindade que é reduzida a um simples passivo à sua criação.
Esse combate ideológico acorre na vida de todo ser humano. Por mais que não se negue a existência de Deus o homem não deixa de lhe atribuir os infortúnios. Moisés, Jó, Abraão, Elias, etc, em certo momento apontaram Deus como o responsável pelo sofrimento que passavam. Em o Novo Testamento, especificamente no Evangelho que escreveu João, no capítulo 11 há a narrativa da morte e ressurreição de Lázaro. Jesus havia sido informado da  gravidade da doença daquele alguns dias antes dele morrer, no entanto, só  tomou a decisão de ir  a casa dele  após ele ter morrido, e só chegou ao destino quatro dias depois. Tanto Maria quanto Marta (irmãs de Lázaro) disseram a Jesus que se o mesmo estivesse ali enquanto Lázaro estava doente ele não teria falecido. Apesar das mesmas terem uma admiração por Jesus e uma certa postura de adoração pelo Mestre não esconderam – mesmo que num tom de suspiro e consolo – uma certa frustração pela demora de Jesus em chegar ali. A expressão “se tu estivesses aqui meu irmão não teria morrido”, revela muita coisa. Revela tanto a fé circunstancial quanto a capacidade de limitar a atuação divina a um problema; revela que o homem guia a fé por possibilidades e que Deus parece estar atrelado a operar segundo a capacidade de operação do adorador; revela que a ausência de Cristo foi notada não apenas como um amigo da família ausente, mas como aquele que poderia fazer algo e não estava lá para fazer, mesmo sendo Lázaro o amigo a quem ele amava; revela que o homem tem uma forma sutil de censurar a Deus pela forma dele lidar com suas solicitudes; revela que a esperança do homem em Deus está quando se sente Ele perto e não distante, como deixa transparecer as duas irmãs.                  
São esses dilemas que denotam que o que se aprende sobre Deus se revela quando é posto à prova de fogo. Por isso a incredulidade apaga Deus do cenário e sua inexistência se torna “real” ao néscio ou ao crédulo. A realidade de não se crer em Deus é patente ao que diz que acredita nEle. Pode-se dizer que se acredita em Deus por catequese (discipulado), por tradição e por “revelação”. Por catequese o homem é levado a crer em um “Deus” que é configurado segundo a Teologia do grupo; pela tradição o homem segue ao “Deus” de seus pais, de sua tribo, segue uma religião, um “Deus” que faz isso e aquilo, mas é incapaz de não fazer aquela outra coisa, que não é capaz de perdoar e se perdoa são os perdões que o grupo perdoaria, assim esse Deus não pode ser justiça, etc; por “revelação” o homem não aprende sobre Deus por meio de uma religião, nem tampouco o segue por tradição: é “Deus” quem se “revela” a ele. É de se admitir que esse ponto de vista seja perigoso. Primeiro porque há muitos vivendo um fanatismo desenfreado apregoando que “Deus” lhe apareceu e, assim, se enredam por acharem que não necessitam nem estar junto a uma Igreja (denominação). Em segundo lugar porque essa manifestação não tem por base um misticismo cujo conhecimento não traz nem sequer resquícios de catequese ou de tradição, e assim, o “Deus” que lhe “aparece” age de forma irresponsável, injusto, para os outros homens. São pessoas com tais conceitos formados que tem mais facilidade de se tornarem céticos com relação a Deus. Por que? Porque Deus não age segundo o querer do homem. E quando a expectativa não é satisfeita Deus se torna insuficiente. Mas a experiência com Deus não necessita de visão ou revelação. Experiência é produto da participação dos sofrimentos de Cristo; a comprovação da experiência com Deus nem sempre é vista pelo outro, ao contrário, por vezes quem chega a conhecer a Deus passa por vitupérios, não se escandaliza, não teme, nem tampouco tem sua vida por preciosa. Não está edificado em promessas de riquezas ou coisas semelhantes, mas tão somente se contenta em viver para Deus; contenta-se em sentir sua presença e adversidades não lhe são motivos para negar Deus em sua vida, de atribuir-lhe as causas de sofrimentos ou mesmo dizer que Deus não se importa com ele. Não que haja desqualificação no discipulado ou mesmo na tradição e por mais que sirvam de aio para um conhecimento primário de Deus, não são suficientes para arraigar quem quer que seja a uma fé inabalável no Deus que professa.
A depressão, frustração e outras derrocadas da vida levam o homem a canalizar essas agonias internas a algo ou a alguém; necessitado de ajuda e por se sentir limitado toma por alternativa atribuir a quem esteja mais próximo a si, a quem ama ou a quem adora (Deus) o stress da adversidade (comumente chamado de “descarregar em alguém”). Quando se atribui à Deus as causas, o sintoma é frustração; frustrado com Deus o homem deixa de amar primeiramente a si mesmo; desiludido com a vida tudo perde o sentido de ser (valor); se considera a pior pessoa da vida; acha que ninguém o ama e que Deus é apenas um espectador passivo que não lhe quer ajudar e, que por fim, desaparece de cena.                      
       
Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).
Email: pr_robert@itelefonica.com.br 

domingo, 5 de dezembro de 2010

Como Manter a Fé Diante das Adversidades

Roberto Albuquerque dos Santos

A vida cristã é aperfeiçoada pelas inúmeras situações adversas à sua fé. Viver uma vida cristã sem considerar adversidades no cotidiano é como querer a existência dos oceanos sem águas. O enunciado não faz parte de uma teoria, o mesmo pode ser constatado na vida de cada pessoa. A narrativa bíblica do escritor neo-testamentário registra o dito de Jesus quando profere a seus díscipulos a frase “... No mundo tereis aflições. Mas tende bom ânimo! Eu venci o mundo” (Jo 16.33). Ora, foi o próprio Cristo quem advetiu a seus seguidores que os mesmo enfrentariam dificuldades. Essas dificuldades não se limitam apenas ao trabalho cristão, fosse assim  o conteúdo do discurso se ocuparia ao tema, mas em contrapartida ele se  preenche por palavras direcionadas a cumplicidade de qualquer pessoa em seguir a Jesus, ou seja, qualquer indivíduo que se proclamasse cristão passaria por dificuldades na vida. Mas as adversidades não estão reservadas apenas aos cristãos. Todos os homem as têm. Essa tendência de que para ser cristão verdadeiro era necessário passar por sofrimentos, foi muito forte nas regiões da Europa e Ásia,  onde os sermões apocalípticos eram usados (principalmente nos tempos da perseguição religiosa por parte do Império Romano – até 313 d.C. – e da Igreja Romana na época da Reforma protestante – depois do século XVI). Nesse tipo de pregação, ser cristão era ser sofredor.
Nas últimas décadas do século XX se fortaleceu uma tendência teológica que ensina que ao cristão “ é só vitória”.  Segundo esse tipo de pregação o cristão vence sempre. Essa teologia da confissão positiva não tolera o cristão passar por adversidades. Em confronto com as formas de ensinos existentes em séculos passados, esse ensinamento produz muito mais frustração aos crentes. Essa frustração é resultado da anomalia do ensino. Essa pregação concebe uma patologia emocional desencadeando no âmbito espiritual que leva ao abandono da fé e a uma desconfiança total em Deus ou a um estado de depressão crônica quanto a fé. Ou seja, se na época da perseguição muitos se frustravam por não serem perseguidos e, se fossem e não a suportassem, se achavam cristãos inferiores (por não “darem prova de sua fidelidade”), atualmente muitos cristãos inseridos à pregação néo-pentecostal se frustam por não conseguirem o que querem e acham que é “ por falta de fé” que estão em plena adversidade, dificuldades, etc.
Embora as temporalidades, regiões, e até mesmo teologias sejam diferentes, a narrativa bíblica continua intacta. O Cristão está inserido no mundo e nele permanecerá enfrentando os mesmo desafios do dia-a-dia sem privilégios. Mesmo que pareça estranha essa afirmação é o que encontramos na Bíblia. Em sua oração sacerdotal, Jesus não pediu ao Pai que tirasse seus discípulos do mundo, mas que os livrasse do mal (Jo 16.15); por sua vez, Pedro aconselha que a ardente prova não seja estranha aos cristãos (1Pe 4.12). Ao analisarmos a vida de profetas e dos seguidores de Cristo em todas as épocas concluimos que os mesmo não tiveram privilégios, mas tinham esperança (ver Hebreus capítulo 11).
Portanto, a importância se insere em não deixar a fé diante das adversidades, pois as mesmas são participantes da vida de todo ser humano, quer seja cristão ou não. Assim, uma breve análise em alguns pontos referente a fé a a adversidade elucidam a questão.  
1 – A fé é o instrumento pelo qual Deus fortalece o seu servo (Hebreus 11.6). Quando o homem mantém a fé em Deus, ele tem mais segurança para não desistir da caminhada. Moisés foi chamado e mesmo em meio às adversidades no deserto não desistiu de cumprir sua chamada. Pedro pediu para andar sobre as águas e lhe foi concedido, mas quando sentiu o movimento das águas em seus pés e ouviu o barulho enfurecido do vento foi tomado de grande pavor e começou a afundar. Foi advertido por Jesus porque temeu, porém àquela experiência fortaleceu-lhe a fé. Não há nas Escrituras (ou em outra narrativa) relato de que outro homem tenha andado sobre as águas (exceto o próprio Cristo). Ele viu Jesus no mar e ir até ele dependia da ousadia de Pedro e ele ousou; pediu para ir até o Mestre; Jesus concedeu: “vem”! E ele, descendo do barco, foi. Foi porque sentiu sua fé fortalecida naquele momento. Embora a adversidade (o mar) parecesse estar entre Pedro e Jesus na verdade ambos estavam nas mesmas águas, na mesma situação; a diferença é que Pedro estava aprendendo que mesmo junto à Cristo, olhando para Ele, o homem passa por dificuldades não ficando isento dela. Mesmo que Jesus tenha dito para ele “vem” ele (Pedro) precisava confiar, não temer ( ver Mateus 14.22 – 33). Quando se aprende tais coisas em situações semelhantes a fé se fortalece na Graça concedida pelo Mestre e, assim, andar sobre as águas ou mesmo enfrentar dificuldades no deserto (lugares totalmente opostos) são oportunidades que o Senhor nos concede para fortalecer a nossa fé.             
2 – Todo homem é provado concernente à sua fé – A fé não é um sentimento, mas é uma convicção provinda da racionalidade; nós optamos em crer. O ato de crer não depende de Deus, depende do homem. A revelação da Graça sim depende do Espírito Santo (convencendo o homem do pecado, da justiça e do juízo). Ora, crer quando tudo está bem é fácil; crer quando a adversidade está às portas é exercitar a fé depositando a confiança em Deus. Jó foi provado e em meio a provação não negou sua fé em Deus. Mesmo “perdendo” a família e lhe sendo roubado e destruído seus bens materiais, manteve firme sua convicção em Deus. Ele era um homem temente, poderia achar estranho estar passando por tantas lutas, mesmo assim continuou fiel ao Senhor. Ele tomou uma decisão em sua vida e essa decisão tinha como base as convicções de sua crença no Altíssimo. Jó foi provado quanto sua lealdade a seus amigos, sua família, seus negócios etc, mas não tanto quanto o foi em sua fé. A sua lealdade a Deus era maior que sua lealdade a qualquer ser humano. O objetivo do Adversário era produzir no coração de Jó um sentimento de repudio a tudo que ele viveu, adorou, sacrificou, orou, agradeceu ao Deus que temia. Mas Jó não blasfemou do Senhor seu Deus, antes a Ele se manteve fiel. A Abraão o Senhor pediu-lhe o filho em sacrifício. Ele podia negá-lo, mas não o fez. Foi ao monte Moriá e “sacrificou” a Isaque no cordeiro que Deus a si mesmo proveu.        
3 - A adversidade traz maturação à fé. O Salmista Davi disse que para ele bom foi ter sido afligido para que conhecesse melhor o caminho do Senhor. José antes de sentar no trono do governo do Egito, teve que passar por uma cisterna; por um lugar de acusações na casa de Potifar; nas masmorras da prisão egípcia até chegar no lugar de exaltação. As várias etapas da caminhada (vida) de José solidificaram sua fé no Deus que preserva seu servo na adversidade, nem sempre o livrando de passar por ela. Daniel passou uma noite com leões famintos; três hebreus foram lançados na fornalha babilônica, mas em todas esses e outros acontecimentos Deus deu vitória ao seu povo, mas em meio ao processo em que estavam passando.       
Portanto, por mais intimo que seja o homem com Deus, isso não o isenta de lutas e provações. Deus não nos chamou para estarmos imunes ao que acontece no mundo, ou seja, estamos sujeitos as mesmas coisas que acontece as pessoas que não seguem a Jesus. No entanto, a alegria do Senhor é a nossa força, Ele é nosso Pastor e com certeza nos ajudará em todos os nossos momentos edificando a nossa fé em si mesmo.  

Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF – Embú  );

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

-      Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
-      Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
-          Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
-          Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).

 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O Indio Brasileiro Sob a Perspectiva de Caio Prado e John Monteiro

Roberto Albuquerque dos Santos

A historiografia do Brasil, quando se direciona a etnia, denota relatos que, quando não muitos, são obscuros ao fazerem citações sobre o contingente considerável de índios habitando a terra pertencente ao reino de Portugal.
            É comum nas publicações de história, principalmente os de cunho didático, a figura indígena ter pouca relevância na construção da sociedade que se erguia sobre terras que até então se denominavam coloniais. Sendo assim, essa população numerosa que, mesmo distribuída sob o regime tribal e espalhada nas diversas regiões da colônia, foi vista até pouco tempo, como uma figura totalmente alheia ao que se fazia em seu território, como se os mesmos não protegessem o que lhes era por direito natural. Sob este ponto de vista, a imagem do índio que habitava o solo brasileiro no período colonial é a figura de uma pessoa totalmente passiva e que, por não servir para a escravidão, foi “libertado” e trocado seu trabalho pela mão de obra de escravos provindos da África.
            No entanto, historiadores do século passado, abordaram fatores preponderantes que desfazem essa pintura teatral do índio como mero espectador do que acontece ao seu redor, e os põem em uma posição de impacto com as, até então, opiniões referentes aos mesmos.
            Desde o seu contato com o europeu, foi relegado a um tratamento que por diversas vezes foi mudado, dependendo da ocasião ou do grupo com os quais se relacionavam.

1 - Relação com os colonizadores
O litoral brasileiro começou a ter de forma intensificada a sua colonização pelos portugueses em meados do século XVI. Com essa investida dos colonizadores lusitanos, a mão de obra era necessária, porém escassa. Frustrada a tentativa de se adquirir índios de tribos que possuíam prisioneiros de guerras (por lutas com suas rivais) para transformá-los em escravos, os colonizadores organizaram expedições e, de forma abusiva, faziam prisioneiros e conseqüentemente escravos, membro das tribos que reagiam a suas investidas.
            O interesse dos colonizadores pelo índio nativo era de certo modo diversificado. Os colonos viam no índio um trabalhador pronto a ser aproveitado. Sendo assim, fora à classe indígena tratada como alavanca de força trabalhista para emergir a economia colonial. Os mesmos eram usados nas lavouras e nelas roçavam, semeavam sementes, guardavam as plantações e faziam a colheita. Além de ser usado como agricultor, o índio também foi de grande utilidade para os colonos no segmento de transporte de carga, de São Paulo a Santos, via Serra do Mar. Por sua facilidade de locomoção via mata, trilhando por caminhos inóspitos e íngremes, os mesmos eram forçados a transportarem a pé, cargas que beirava os trinta quilos. John Monteiro, em seu texto “O escravo índio, esse desconhecido”, cita o relato do Padre Antonio Vieira, onde o mesmo declara que o índio “nas cáfilas de São Paulo a Santos não só iam carregados como homens, mas sobrecarregados como azêmolas, quase todos nus ou cingidos com um trapo e com uma espiga de milho pela ração de cada dia”.[1]
            Outra forma imposta ao índio era sua utilidade como aliado sertanista do colonizador. A necessidade de se adentrar as áreas desconhecidas pelos europeus para exploração, apropriação ou até mesmo aprisionamento de índios para a escravidão, tornaram a figura do indígena um forte aliado nesse empreendimento. Embora pelas leis de Portugal, o aprisionamento e a escravidão de índios fossem proibidos, os colonos, em contrapartida, favoreciam-se do uso e costume da terra, que estabelecia o serviço obrigatório dos mesmos. Se o Reino libertava, os colonos, sob a lei da terra, tiravam essa liberdade.
            Em meados do século XVII, os colonos do Maranhão, valendo-se tanto do trabalho dos sertanistas como da conivência de autoridades que se corrompiam com favores dos comerciantes interessados na mão de obra escrava indígena, arrebatavam índios de seus inimigos e, tanto os traficavam para o comércio de escravos, como também usavam em suas fazendas. Assim, esse processo chegou a extinguir no período de quarenta anos uma média de dois milhões de índios, isso, em parte, por causa dos maus tratos que os mesmos sofriam pelos seus “senhores”. Tal tratamento dos colonos maranhenses aos vassalos indígenas dava-se pelo fato da sensação de abundância de mão de obra na Amazônia.
Nessas circunstâncias, os índios eram tratados como meros trabalhadores (escravos) dispensáveis quando não mais necessários. Dispensados não por falta de trabalho, mas por inutilidade gerada pelo desgaste de suas atribuições. Essa dispensa certamente se dava com a morte do mesmo. A imposição dos colonos aos índios foi de extenuante exploração, tanto física, como moral, psicológica e social.

2. Sob o Ponto de Vista da Metrópole
Enquanto os colonizadores exploravam a população indígena nativa com trabalho escravo, as pretensões da Metrópole eram diferentes. Em toda história colonial brasileira pode-se notar a intenção de Portugal em fazer do índio um elemento da colonização. Sendo a colônia de extensão por demais avassaladora para a Metrópole, buscava assim o Reino aproveitar toda população disponível para a ocupação do espaço geográfico; embora os índios já estivessem estabelecidos aqui, por ser seu habitat natural, Portugal procurou assim, incorporar os índios na sociedade que aflorava.
            Ao assunto, Caio Prado Junior, declara que Portugal concernente aos índios pretendia “arrancá-lo das selvas para fazer dele um participante integrado na vida colonial; um colono como os demais”.[2]
            Embora Portugal buscasse de uma forma interagir o índio a comunidade, se chocava com os interesses dos colonos que os exploravam na escravidão. Além do mais, existiam os próprios jesuítas que, em busca de uma catequese bastante particular, “digladiavam” contra os interesses dos colonos. Portanto, a Metrópole portuguesa se via em meio a essa constante batalha, sem ter também uma posição firme a impor.
            No final do século XVIII, Portugal instituiu a legislação pombalina. A mesma absorve os ideais jesuíticos “da liberdade dos índios, da necessidade de educá-los e os preparar para a vida civilizada, e não fazer deles simplesmente instrumentos de trabalho nas mãos ávidas e brutais de colonos (...)”. [3]
            Embora Portugal tenha tomado tal medida, não isolou os índios da comunhão com os colonos. Assim, além de forçá-los a falarem o dialeto português, permitia aos colonos utilizarem os indígenas como trabalhadores assalariados, para que assim, os mesmos fossem introduzidos na vida civilizada. Essa “nova” convivência com os colonos davam-lhe até mesmo o direito da miscigenação da comunidade através dos casamentos mistos.
            Embora a legislação pombalina tenha inserido o índio no meio da sociedade, isto é, como elemento da população colonial, ele continuou sendo visto como “uma raça bastarda; e como tal, foi alvo do descaso e prepotência da raça dominadora”.[4]
            É preciso deixar claro que mesmo a legislação pombalina dando liberdade aos índios, e providenciando tutores para lhes garantirem direitos junto aos colonos, os mesmos foram explorados por esses diretores de aldeias que tiravam proveito deles para aumentarem suas remunerações. 

3. Sob os Jesuítas
            Sobre este assunto, Caio Prado afirma que o regime como as aglomerações indígenas (“reduções”) sob os jesuítas e suas organizações, “não eram evidentemente os mais indicados para fazer dos índios elementos ativos e integrados na ordem colonial”.[5] Os índios eram isolados do convívio com os colonos de tal maneira que se tornavam dependentes dos seus mestres e disciplinadores; longe dos mesmos, eram incapazes de conviverem na vida social da colônia. Portanto, pode-se entender que o interesse dos jesuítas, concernente aos índios, era totalmente contrário as pretensões portuguesas referente à inclusão dos indígenas no campo social colonial. Educá-los para uma vida civilizada era necessário; a escravidão que lhes era imposta pelos colonos deveria ser extinta. Os jesuítas não viam o índio como um escravo para servir a colônia, nem tampouco para apenas a extensão de terra da colônia; ele era visto como um objeto de sua missão.
            Embora os jesuítas fossem contrários à escravidão indígena, não deixaram de fazer parte de diversas expedições para “descimentos” ou “resgate”, patrocinados tanto pelo Estado como pela iniciativa privada. Isso se deu por causa da lei promulgada em 1655 pelo rei D. João IV, que garantia os cuidados espirituais e também temporais dos aldeamentos aos padres. Essa lei foi fruto das constantes interferências do padre Viera junto ao monarca português que decidiu em favor dos jesuítas.
            No entanto, décadas mais tarde esse poder temporal jesuítico foi suspenso; “Não era possível conservar aquele poder sem comprometer todos os fins que se tinham em vista”[6]; afirma Caio Prado.

BIBLIOGRAFIA

JÚNIOR, Caio Prado – Formação do Brasil Contemporâneo; Ed. Brasiliense; 23a. ed. 1994. 7a. Reimpressão; São Paulo.
MONTEIRO, John – O escravo índio, esse desconhecido; In: Donizete Luiz Grupioni, Benzi (org). Índios do Brasil; 3a. edição; São Paulo; Global; Brasília; MEC, 2000.

Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);
-  Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).



[1] A citação de Monteiro faz referência a obra “Voto do Padre Antonio Vieira sobre as dúvidas dos moradores da Cidade (sic) de São Paulo”. 12 de junho de 1962, Instituto de Estudos Brasileiros, Coleção Lamego 42.3. Ver  “Índios do Brasil”; Donizete, Lucas. 3a ed; Global Editora e Distribuidora; p. 109.
[2] JÚNIOR, C. P. Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo: brasiliense, 23a. ed. 1994. 7a. Reimpressão 2004. p.92
[3] Idem, p.93.
[4] Idem, p. 95.
[5] Idem, p. 92.
[6] Idem, p. 94.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Cristo “Pobre” e os Cristãos “Ricos”

Roberto Albuquerque dos Santos

Há um provérbio que reza a seguinte expressão: “O homem vale o que ele possui”. Enquanto essa máxima se regra a uma expectativa capitalista onde a inversão de valores é gritante, onde tudo é avaliado e o próprio ser humano para sobreviver negocia seu tempo como mercadoria junto a quem o emprega, não percebe junto a si a “morte por estrangulamento” das virtudes implícitas a ele concedidas no ato de sua criação. Essas virtudes – além, da razão (raciocínio) e o ato de criar (produção), entre outros – concedem a humanidade à característica de possuir a imagem e semelhança do seu criador.
Essa luta pela sobrevivência ao invés de unir os semelhantes os afasta. Embora compartilhem da mesma cultura, vivam na mesma região, falem o mesmo idioma ou adorem a mesma divindade, os que ocupam o mesmo território se digladiam em busca de poder, posses ou apenas fama. Por esse tipo de comportamento Thomas Hobbes em sua obra intitulada “O Leviatã”, afirma que o homem é lobo do próprio homem. Biblicamente, o termo simplista para a mesma situação é cobiça.
Intrínseco a uma análise antropológica essa atitude do homem é natural. Conquistar, subjugar os dominados impondo-lhes condições para sobrevivência, edificar cidades e construir sociedades e culturas, etc. Na análise Teológica Bíblica é uma expansão do pecado que se alastrou desenvolvendo no homem um sentimento indomável de domínio não importando para tanto os meios de se adquirir o poder ou governo. Em sua obra “O Príncipe”, Maquiavel explorou bem esse conceito.
Nessa atmosfera de embate, armas foram (e são) forjadas, esquemas de guerra traçados, mas não é apenas no campo bélico que o lampejo ocorre. A persuasão através da argumentação tem sido uma das maiores armas de coerção; o uso da fala inserida na propagação dos discursos tem arrebanhado a muitos. A disseminação de ideologias tanto na política como em outros segmentos da sociedade tem se tornado uma forte algema de dominação. E é nesse entrelaçar de busca por meio de superação ao outro que – inconsciente ou não – o homem manifesta o misticismo; se “apodera” dos poderes da divindade e amaldiçoa ou abençoa seu próximo. Nesse contexto não é o adorador submisso ao que adora, mas por meio de “subornos” – ofertas – fazem o objeto de culto refém de seus interesses (muitas formas de liturgias estavam atreladas até mesmo ao sacrifício humano). Enquanto o objetivo de todo culto é (ou seria) procurar moldar os seguidores à forma da divindade, no entanto, são os próprios ministros (sacerdotes) dessas divindades que lhe atribuem personalidade. Sendo assim, cada povo “criou” ou “adotou” para si um deus que lhe preenchesse a necessidade, quer seja religiosa, política, psicológica/emocional, com características de preservação (deus da chuva, da colheita, da caça, etc) e até bélica (deus da guerra). O monoteísmo semita não fugiu a regra; nem tampouco o cristianismo.
Mesmo que a Bíblia em sua narrativa conceba uma imagem divina a partir de revelações da própria divindade, os escritores bíblicos não deixaram de lhe atribuir características antropopáticas (atributos de sentimentos humanos a Deus) para que (Ele) pudesse ser compreendido pelo seu povo. Assim, há nos escritos do Antigo Testamento uma mescla de comportamentos do SENHOR. Por vezes Ele é compreensível; em outras ocasiões está irado; há momentos onde sua presença é aterrorizadora e também pode ser motivo de calma. Essa complexidade de atuação da divindade ante as mais diversas situações demonstra ter levado a uma incompreensão por parte dos seus seguidores um conhecimento mais regular do caráter do Deus a quem confessavam. Portanto foi necessário que o próprio Deus não apenas tomasse a forma antropomórfica (forma humana), mas que se tornasse homem (humano) e convivesse com eles com o propósito de se tornar conhecido. Essa última revelação de Deus entra em choque com os conceitos da personalidade descritas pela religiosidade judaica. O Logos encarnado (Jesus) revela o SENHOR como Pai amoroso, cognoscível, compreensível, bondoso, etc. Ora, o antigo Testamento não nega tais atribuições, no entanto o conceito de se servir da divindade para fins supostamente alheios à própria divindade criou uma relação mais voltada para conquistas bélicas do que um relacionamento criador/criatura, Deus/adorador. Assim, a virtude sufocada pela cobiça humana que não permite limites imposta por paradigmas, não consegue vir à tona e o homem cada vez mais se torna propenso a um comportamento alienado de uma inter-relação harmoniosa entre si.
Ao se confrontar com o sermão do monte narrado por Mateus (Mt 5-7), o leitor se vê acuado em seu próprio “eu” e sufocar em si o debater agonizante da consciência ante o teor ético do discurso o mantém no rol dos ricos em si mesmo. Essa riqueza não é material, mas é egocêntrica; está vestida de orgulho e ornada de prepotência. Ao notar que a divindade não o responde e nem corresponde às suas cobiças e anseios, lança mão da religiosidade para tal fim. Nessa religiosidade (façamos menção do cristianismo, por exemplo), formulam e crêem em um Cristo incapaz de manifestar virtudes às suas criaturas. Assim, esses cristãos esperam vingança contra seus inimigos (não deveriam concebê-los, mas têm). Tais pessoas não conseguem perdoar e não toleram a idéia de que o Cristo o possa; tais “seguidores” se enfurecem ao ver Jesus acolher o que a religião dispersou ou que transgrediu paradigmas construídos para o convívio da comunidade. Mas o Cristo crido não poderia assim fazer. Não deveria perdoar, renovar, acolher, salvar o transgressor. Dentro desse panorama o Cristo é pobre. É pobre porque ama, porque transborda em virtudes (Paulo denomina essas virtudes de Fruto do Espírito – ver Gálatas, capítulo 5). Os cristãos são ricos. Ricos em cobiça, em amargura, ira, preconceitos, tendências, inveja, etc (denominadas obras da carne – ver referência supra citada). São por determinadas situações ou semelhantes que o Cristo que ama não serve para os tais, sendo censurado e até rejeitado. Os judeus não o aceitaram porque ele não tinha ambições bélicas ou políticas. Há cristãos que ficam incomodados porque ele aceita a todos sem acepção.
Jesus não foi concebido como uma divindade pelos homens: Ele é Deus. Embora a humanidade continue concebendo e buscando meios de dominação, criando ideologias ou segmentos filosóficos, etc, a fim de vencer o embate contra seu próximo, o ensino de Cristo é que o homem ame àquele que lhe aborrece; é por isso que Ele não é visto com bons olhos por tais “discípulos” que só pensam em si mesmos. O seguem, porém interessados apenas no pão que alimenta, ou seja, pensam apenas na preservação de suas vidas; interessam-se no poder que ele tem, mas não para curar, mas para ajudá-los a vencer seus adversários; estão interessados não em repartir, mas em adquirir; não estão interessados em propagar seu nome, mas em monopolizá-lo para atrair prosélitos e lucrar em suas pretensas religiões. Nessa concepção, o homem não é apenas lobo do próprio homem, mas lobo da própria divindade que supostamente professam, seguem e adoram; apossam-se de seu nome, sua obra e usam em causa própria, ou seja, não aprendem a mansidão e humildade do nazareno, não conseguem amar o próximo como o Cristo amou, sufocando, assim, as virtudes que deveriam ser uma constante para o bem comum.
Os religiosos das primeiras décadas da era cristã são um bom exemplo do enunciado acima. Os lideres de Israel se preocupavam com a posição que ocupavam na sociedade, mesmo estando dominados por Roma. A cobiça era tanta que não tiveram a sensibilidade de notarem o Messias esperado em meio a eles e, se notaram, não fizeram caso algum. Disputavam entre si quem era o melhor, o mais sábio, o mais santo, o mais irrepreensível. Eram ricos em religiosidade e pobres em ação; ricos em superficialidade e pobres em testemunho; ricos em rituais e pobres em fé; ricos em profecias e pobres em esperança, enfim, esperavam um Messias rico como eles, mas o Messias que se apresentou estava vinculado ao que prescreveu o profeta Isaias: Era indigno (pobre), experimentado no trabalho, homem de dores. Portanto por que os “ricos” fariam algum caso dele? O que ele significaria para eles? Eles esperavam um Messias da parte de Deus que os fizessem vencer seus inimigos, que os colocassem como cabeça das nações, que os dessem riquezas e honras, que lhe satisfizessem os desejos de seus corações, ou seja, não estavam interessados no que Deus havia reservado para eles, mas no que Deus podia fazer por eles.
Embora haja uma grande censura por parte dos cristãos, em todas as épocas, quanto ao comportamento dos judeus referente a Jesus, no profundo de seu ser, como homens (seres humanos), se deixam tomar pelas atitudes daqueles. Influenciados pela atmosfera da constante vitória e prosperidade, não disciplinam sua natureza. Esperam que Deus envergonhe seus inimigos esquecendo-se que os mesmos são seus próximos, são seus semelhantes, e, portanto, ao invés de cultivarem a vingança deveriam semear o perdão; portam-se de forma intolerante com os pecadores (como se também não o fossem) e espalham um evangelho que se torna antipático por ser preconceituoso, um evangelho onde só há esperança para os membros “fiés” a “sua” denominação, pregam mais o juízo do que a Graça divina, ou seja, a pregação se torna pobre de amor, pois não representa o Cristo que ama o pecador. O cristão que o evangelho retrata ele é rico em virtudes, ou seja, não se preocupa apenas consigo mesmo, mas se esvazia de si (tornando-se pobre), renuncia o seu ego (Cristo vive nele), e propaga a mensagem da cruz onde o amor de Deus foi crucificado por todos os homens. Portanto, o cristão precisa estar atento para não se enredar à inversão de valores. O homem não vale pelo que possui, pois não pode ser avaliado. Não se pode negar a virtude e o ódio como participantes de sua natureza; ambos são intrínsecos a ele. Contudo, ao ser alcançado pela Graça divina e tendo conhecimento da Palavra de Deus; ao conhecer a complexidade da constituição de si mesmo (como as emoções e temperamentos), o cristão pode se enriquecer dos tesouros de Cristo, ou seja, se enriquecer de humildade, tolerância, bondade, amor, etc, e deixar de viver uma vida pobre e sem virtudes.                
Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).