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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Meu Próximo, Meu Reflexo

Roberto Albuquerque dos Santos

             Quando as Escrituras orienta os homens a amarem o seu próximo como a si mesmos, coloca os mesmos em um labirinto de contorções íntimas de tal magnitude que, mesmo que fosse possível fugir da responsabilidade, não se poderia fugir da reflexão.
                A motivação para o relacionamento intrapessoal em comunidade é um dos esforços da religião. As pessoas são ensinadas a perdoarem, conviverem com dignidade, serem honestos, que sejam bons pais, bons cidadãos, enfim, pessoas dignas de serem membros da comunidade onde estão inseridos. Enquanto a política concede regras comunitárias, a tradição familiar e a ética religiosa fabricam pessoas donas de um “status quo” onde há um círculo invisível, que se invadido, a guerra está declarada: é o direito a privacidade individual; existência do ego.
                Mas nem só de ética vive um relacionamento. Ele também precisa de tolerância. Portanto, Jesus reforça o dever do homem amar o seu próximo e esse amor precisa ser “como a si mesmo”. Aqui notamos um desafio, um embate, pois o próximo não foi adjetivado, ou seja, não foi dadas especificações de conduta, de classe social, religião, cultura, etnia. Não! O próximo é o outro, é quem possa estar ao lado ou não, em suma, é o semelhante. É nesse contexto que a tolerância é fundamental. Aquilo que uma pessoa não tolera na outra é o que mais a desabilita. O conceito de formatação ao certo e errado não pondera espaço para o diferente, para a inovação, para o desigual, para o individual, para o estilo próprio, para a criação, para o inusitado. É como se todos devessem fazer, caminhar, falar, agir, da mesma forma, como uma gestão empresarial onde tudo é catalogado, padronizado, onde a norma estabelecida por padrões de qualidade precisa ser atingida. A intolerância se manifesta na quebra dessas regras.
            Não existem pessoas ideais para um relacionamento, seja em qualquer âmbito. Não há o “sócio perfeito”, “cônjuge ideal”, “amigo fiel”, etc. Podemos observar sociedades duradouras, casamentos equilibrados e amizades estáveis, mas esses exemplos não englobam a universalidade do relacionamento humano. Uma pessoa pode ter um bom relacionamento profissional e ser intolerante com a família; é esse “bom relacionamento profissional” que desclassifica o homem consigo mesmo, pois tomando como principio a ética profissional, enfrenta a cada dia, relacionamentos voltados a atingir metas e a educação demonstrada no momento não condiz com a realidade. Esse comportamento social é teatralizado, e não deixa de imprimir um feedback nos personagens envolvidos, em que, em sua realidade, sabe que, o “eu” em si, deveria ser como a representação diária. Embora seja necessária, a educação e o trato em uma relação de interesses, serve para – de certa forma – disfarçar a personalidade do ator em cena.
            O Antigo Testamento estar repleto de exemplos de relacionamentos conflitantes. O conflito em si torna-se inevitável, mas as causas e conseqüências jogam no ar as claras razões egoístas, mesquinhas e ambiciosas. Mas nem sempre o conflito configura ausência de amor e existência de ódio. A simples contradição são motivos para celeumas. Exemplo disso é a forma como Jacó e Labão fizeram acordos salariais. Houve intrigas em família, mas Labão não deixou de externar seu afeto ao genro perspicaz.     
            Esse embate do homem consigo mesmo quanto ao dilema do bom relacionamento, e não apenas na esfera da irmandade, mas do amor, do respeito e da aceitação sem cláusulas em letras minúsculas, foi exercitado por Jesus com seus Apóstolos.  Afinal, o Mestre estava preparando pessoas para servirem outras pessoas semelhantes a eles próprios. Se a admoestação do amor ao próximo ecoou do deserto de Sinai – falada para escravos advindos do Egito – às regiões de uma Galiléia frenética pelas palavras do filho de um carpinteiro em plena província Herodiana é porque há importância nesse vaticínio. Assim, o colégio Apostólico foi formado aos padrões contrário à lógica humana. Encontramos Pedro, Tiago e João, pescadores, tendo que lidar com Mateus, um cobrador de impostos à serviço de Roma. Mateus tendo que lidar com Simão, o zelote – membro de uma facção política contra o Império. Judas tendo que se “conformar” com as doações “extravagantes” das pessoas – era contra seus príncipios o “desperdício”, afinal ele era sistemático, como Felipe também o era. A diferença estava na avareza. Enquanto Judas demonstrava ter sistemática organização e avareza, Felipe demonstrava a primeira, menos a última, mas não tinha funcionalidade seus planos sem o meio próprio à mão (ver a multiplicação dos pães). Confrontando as personalidades, Felipe parecia inteligente, mas “devagar”.
            Não é difícil imaginar o desconforto desses tributados pelo Império quando estiveram na casa de Zaqueu e ouviram de Jesus que aquele homem também era “filho de Abraão”; ou Simão, o Zelote ver Jesus ressuscitar a filha de um centurião romano, seus opressores. Que virtude haveria em parar em regiões além das terras sagradas para ouvir uma mãe gritando por uma filha endemoninhada? Ou se deter para conversar com um mendigo cego às portas de Jericó que não tinha como recompensar qualquer ação a ele disposta? Por que conversar com uma mulher imunda pelo sangramento que consigo convivia a mais de uma década? O que havia de honroso em estar com leprosos ou comer com pecadores? Afinal muitos deles não eram estrangeiros ou samaritanos e se não fossem ao menos não eram indignos de estar com a sociedade? Ora, quando os Apóstolos se digladiaram interiormente pelo “incômodo” que o Mestre estava passando pensavam nele ou na embaraçosa situação que estavam passando?  Não demonstravam também aqueles pescadores, cobrador de impostos e nacionalista os mesmos comportamentos repulsivos que lhe eram propostos pelos religiosos e elitizados da época? Não agiam da mesma forma com seu próximo? Não eram os Apóstolos também intolerantes e preconceituosos? Não estava em seus algozes os seus reflexos? Quem se achava vítima dos preconceitos sociais também agia da mesma forma.
            Por isso, precisaram ser ensinados além dos discursos, ou seja, na prática. Jesus os levou para o meio dos excluídos e marginalizados; os fez sentar com eles, comer com eles, sentir a dor que eles sentiam e o desprezo que lhes era peculiar. Os ensinou a entrar na casa dos seus opressores e fazer o bem; os deixou vê-lo chorar por uma sociedade egoísta e comprometida com o poder, o legalismo e a indiferença social; não os ensinou a tratar com indiferença a quem os perseguia; não ousou pronunciar ensinamentos de grandeza, mas os confrontou com suas ambições quando disse que precisavam ser como as crianças; mostrou através da convivência de pouco tempo – cerca de três anos – que a tolerância é o respeito ao espaço do outro, é a aceitação da forma diferente de se realizar algum projeto por mais simples que seja; que a intolerância é uma barreira ao aprendizado e uma manifestação de orgulho próprio e presunção desenfreada; é a incapacidade de aceitar o ponto de vista alheio e sempre achar que é dono da razão; a intolerância não permite que o homem veja seu reflexo no outro.
            Amar o próximo não é apenas estar junto na Igreja nos devocionais; não é aceitar “tapinhas nas costas” como congratulação ou conceber um elogio a outrem como forma de dizer que não é ignorante a determinado assunto ou para ser simpático. O amar a que Jesus se refere é o aceitar críticas e retribuir com melhoria no caráter; é não deixar de fazer o bem mesmo quando incluído em preconceito sórdido; é reconhecer o próximo como seu superior e alegrar-se com o sucesso alheio; é não se permitir a infâmia da alegria pela desgraça alheia; é não ser para que o próximo seja alguém. Isso denota reconhecimento de Deus em si, pois são prerrogativas básicas do que Jesus ensinou a seus Apóstolos.
            No entanto, o aprendizado não é fácil e o reflexo se torna cada vez menos nítido a cada experiência. Por mais que se selecione o “espelho” o reflexo será o mesmo; ainda que haja distorções na imagem, no entanto o foco não mudará. Assim, ninguém tem como escolher pessoas para se relacionar e ser melhor; no final, não deixará de ser o que é se não aprender a lidar com seu “eu”. Jesus disse que quem o visse via o Pai; Paulo afirmou que Jesus era a imagem expressa do Deus invisível; mas não era apenas a divindade que espelhava em Cristo, mas a de todos que o procuraram. Em Jesus vemos amor, humildade, sofrimento, temperança, tolerância, compreensão, etc. porque é o que reflete nele e são essas virtudes que o homem tanto carece. Não há como não ver o reflexo de Cristo em uma pessoa que anda com ele. Amar o próximo como a si mesmo é enxerga-se no outro. É sempre procurar estabelecer um ambiente onde o outro possa estar bem; é não buscar justificativa para ser seletivo na escolha a quem quer que seja; é ignorar o que se classifica por maus hábitos – vendo-os – como fraquezas ou características peculiares e não como defeitos de caráter. Os Apóstolos tiveram essa experiência tanto entre eles quanto com o convívio com os aldeões, mendigos nas beiras das estradas, nos leprosários, nas prisões, etc.
            O homem não adquire maturidade relacional em um ambiente solitário, nem tampouco criando um mundo onde as pessoas não sejam consideradas seus semelhantes, mas motivos de irritação, preconceitos e maledicência. Não se deve amar mais ao próximo do que a Deus, mas não se pode dizer que se ama a Deus se o próximo é motivo de aborrecimento. Se isso se condensa, o reflexo no próximo sempre será frustrante, mas se o contrário se torna realidade, é o reflexo de Cristo que se pode ver em quem ama. Casso persista a primeira fórmula, a profissão de amor a Deus ainda é imatura e a compreensão para com o próximo engatinha, pois não se adquiriu conhecimento de si mesmo. Desse modo, o reflexo do homem se imprimirá de forma cada vez mais distorcida, haja vista sua relação com o seu próximo seja medíocre ou não satisfatória em relação ao Mandamento Divino. Ora, se o cumprimento da Lei é o amor a condição de quem se mostra intolerante ante o outro é de transgressor por omissão. Essa postura foi radicalmente criticada por Jesus quando em diálogo com um mestre anônimo de Israel, lhe citou a parábola do samaritano. Este socorreu um homem em estado mortal junto ao caminho após aquele ter sido assaltado e espancado, contrário a atitude de um Sacerdote e um levita que não apenas evitaram aproximação física com o moribundo, mas lhe omitiram misericórdia. Contrastado com a situação e posto como juiz de quem demonstrou amor, o homem que indagara Jesus acerca de quem seria o seu próximo, emitiu seu reflexo nos dois primeiros, pois não ousou citar nem a procedência do agente socorrente. A atitude do samaritano estava imune do sectarismo religioso ou mesmo político. Sua ação foi deliberada e não se importou em ajudar na recuperação do semelhante sem esperar retribuição por isso. Fez o que esperava que o que fosse a ele feito se estivesse no lugar da vítima; era o que Jesus estava dizendo para que aquele mestre da Lei fizesse: que imitasse o samaritano.
            Jesus definiu o conhecimento de uma árvore pela qualidade do fruto que ela proporciona, assim, subentende-se que o homem é conhecido por aquilo que produz e isso engloba, principalmente, sua convivência com o outro. Esse exercício cotidiano em diversas ocasiões e situações lhe proporciona maturidade quando começa a se conhecer melhor, ou seja, reconhece que aquilo que espera que o façam, não o faz ao outro; aquilo que espera do semelhante, deveria doar primeiro; a forma como se relaciona é seletiva: tolera alguns, a outros rejeita, aos demais ignora ou manifesta irritação. Esses procedimentos formam um labirinto particular; não há nenhum labirinto igual, cada homem forma o seu, pois a individualidade é exclusiva. Cada curva (dia) do labirinto traz um novo desafio e vencido cada desafio, o homem aprende com seu próximo a andarem juntos.        
           
Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);
Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:
- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens);
Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).


quarta-feira, 6 de julho de 2011

SARMIENTO E O FACUNDO

Roberto Albuqueque dos Santos

 

O Facundo é uma obra que até hoje divide as opiniões acerca do olhar de Sarmiento concernente a constituição não só política, mas também social da Argentina. Publicado há mais de um século e meio, sua analogia entre os habitantes dos pampas com os políticos argentinos, seu modo de retratar os variados tipos dessa região caracterizando-os de bárbaros, enquanto que, os habitantes das cidades eram os civilizados – principalmente os que se adequavam ao modelo europeu – e, sua clara demonstração em excluir do cenário argentino aquela barbárie substituindo-a pela civilização, são alguns dos pontos que recheiam o texto de Sarmiento dando-lhe um tom quase único de debates abrindo um leque significativo para a concepção de teses e temáticas a partir de seu olhar critico as instituições governamentais, sua clara pretensão de mudanças no cenário social da região sul latina do Prata, e por que também não dizer, um preconceito generalizado não só aos modos rústicos do gaúcho mas ao próprio; ademais, fica clara sua aversão a aceitação européia na sociedade o convívio indígena com sua cultura, costumes e tradição.
            Assim é o Facundo, uma obra que exterioriza os conceitos de seu autor referente ao temas que ele aborda; que denuncia seu sentimento indomável desde sua tenra mocidade ao se ver frente a um governo ao qual se oporá até vê-lo terminado. Facundo, que como obra, lança seu autor a níveis além do seu território dando-lhe reconhecimento internacional, e também a oportunidade de ser tanto reverenciado como rejeitado, amado ou odiado, bem quisto ou enquistado. Mas aquém da qual que seja a escolha, não obscurecerá o trabalho de Sarmiento, até porque, tudo o que já foi dito e o que se dirá dele e de sua obra, tão somente enriquecerá o debate a sua volta e, o presente texto, não tem a pretensão de encerrara-lo, até porque não é este seu objetivo.                          

SARMIENTO – O HOMEM 

            Domingo Faustino Sarmiento, nasceu em uma província de San Juan, Argentina, em 15 de fevereiro de 1811. Mesmo advindo de uma família pobre, tinha antepassados de renome. Sua infância e formação foram profundamente influenciadas por sua mãe e foi considerado um autodidata, característica contada em seu livro autobiográfico Recuerdos de la Província.  Alcançou a adolescência vivendo em um país que se via dividido na construção do Estado Nacional. Essa luta tinha como protagonistas os unitaristas e os federalistas, optando Sarmiento, em seguir a causa unitarista, essa opção política o leva a se opor a Rosas (entre outras causas, por esse ter firmado acordo com caudilhos do interior) em 1830. Por assim fazer, se ver exilado no Chile no ano seguinte. Rosas, por sua vez, governou com mão de ferro por vinte anos. Cinco anos após o exílio, Sarmiento volta a San Juan quando os ares políticos se tornam mais propícios. Lá, funda a Sociedad Literária e continua sua oposição aos federalistas. Assim, uma vez mais, e dessa, em 1840, por se envolver com problemas políticos, ao se aliar a uma conspiração unitária, é levado à prisão e depois exilado novamente no Chile. Lá, trabalhou no comércio, mas logo se viu penetrando-se no mundo intelectual e, assim pouco tempo depois, estava a escrever artigos no jornal El Mercúrio, da cidade de Valparaiso.
Na política, filiou-se a Manuel Montt, líder dos conservadores, posterior presidente do Chile (1841). Tendo os conservadores criado o diário El Progresso, Sarmiento junta-se a eles e, em sua redação, escreve a obra que lhe introduziria como um dos maiores escritores argentinos e mundiais: Facundo ou Civilização e Barbárie. Ainda no Chile, sob a proteção de Manuel Montt, foi encarregado de aprimorar o sistema de educação pública chilena. Sarmiento, assim, viajou pela Europa e pelos Estados Unidos, estudando seus sistemas educacionais para depois introduzir seu modelo na América Latina.

SARMIENTO E O FACUNDO

            O livro, em sua gênese, apareceu como uma edição em folhetim editado no jornal El Progresso em meados do século XIX. Depois, com a importância de seu conteúdo e apreciado por parte seus leitores, a obra toma vultos estrondosos indo a limites pós-fronteiras argentinas e invadindo o território da América Latina criando debates controversos e formulando conceitos acerca do contexto latino americano.
           Tendo por base a biografia de Facundo Quiroga, um caudilho – liderança que exerce um poder quase absoluto, contando para isso a lealdade de seus seguidores –, Sarmiento revela seus objetivos políticos defendendo seu ponto de vista e desqualificando seu inimigo. Para ele, Facundo era um exemplo, um estereótipo de uma sociedade que deveria ser destruída para dar lugar a um novo tipo de convívio, ou seja, o Facundo era um modelo de viver bárbaro e, portanto, deveria ser rejeitado dando lugar a um modelo civilizado. Nesse contexto, o autor escreveu sua obra defendendo os unitaristas e procura demonstrar os benefícios de uma civilização que se conformasse ao modelo europeu e desmerece a forma de vida do gaúcho e sua cultura própria, local. Assim, tenta comprovar com exemplos e comparações como o gaúcho é bárbaro considerando para isso a influência que o meio exerce sobre o individuo. Esse conflito existente na obra (civilização versos barbárie) pode ser notado na dualidade que ele faz das culturas, ou seja, não é apenas dicotômica sua visão política; seu engajamento em determinar a cultura gaúcha bárbara é flagrante, pois para ele ela é uma cultura ingênua e desalinhada. Isso fica evidente no momento em que Sarmiento se vale da geografia Argentina e descreve os tipos gaúchos. Para ele, o gaúcho é um homem que explica os acontecimentos por mais simples que seja através de “(...) idealizações morais e religiosas, mescladas de fatos naturais, mas mal compreendidos, de tradições supersticiosas e grosserias” [1]. Define ainda a estrutura poética do gaúcho – como já citada – “(...) popular, cândida e desalinhada (...)” [2]. Seus músicos são camponeses que compõem estilos musicais que os denunciam, como “O triste, (...) canto frígido, lamurioso, natural ao homem no estado primitivo de barbárie, segundo Rousseau (...) A vidalita, canto popular com coros (...) me parece herdado dos indígenas (...)” [3], portanto bárbara.
     Sarmiento analisa a forma de vida desses habitantes dos pampas classificando-os. Para ele “O mais conspícuo de todos, o mais extraordinário, é o rastreador[4]. Esse tipo é “(...) um personagem grave, circunspeto, cujas asseverações fazem fé nos tribunais inferiores” [5]. Ainda mais, em suas asseverações, revela que “Depois do rastreador vem o vaqueano, personagem eminente e que tem em suas mãos a sorte dos particulares e das províncias (...) é um gaúcho grave e discreto (...) é quase sempre fiel a seu dever (...) o vaqueano anuncia (...) conhece a distância entre um lugar e outro (...) [6]. Além desse aparece o Gaúcho Mau. Esse  gaúcho ”(...) é um tipo de certas localidades (...) seu nome é temido (...) É um personagem misteriosos, mora no pampa, seu albergue são os moitas de cardos (...) o que o Gaúcho Mau monta é um parelheiro pangaré tão celebre como seu dono (...) não é um bandido (...) rouba, é verdade, mas é sua profissão, seu tráfico, sua ciência” [7]. O gaúcho cantor (diferente do cantor camponês), faz um registro particular da história tendo por base a Idade Média. Segundo Sarmiento, esse tipo é a “(...) idealização daquela vida de revolta, de civilização, de barbárie e de perigos (...) é o próprio bardo, o vate, o trovador da Idade Média, que se move na mesma cena, entre as lutas das cidades e do feudalismo dos campos, entre a vida que se vai e a vida que se aproxima (...) está fazendo ingenuamente o mesmo trabalho de crônica, costumes, história, biografia que o bardo da Idade Média (...) não tem residência fixa (...) mistura em seus cantos heróicos o relato de suas próprias façanhas (...) contudo, a poesia original do cantor é pesada, monótona, irregular quando se abandona a inspiração do momento” [8].  O objetivo de Sarmiento ao se referir aos personagens dos pampas é o de revelar a cultura e costumes de sua terra natal, comparando-os ao processo político e governamental, pois, para ele seria “(...) impossível compreender nossos personagens políticos, nem o caráter primordial e americano da sangrenta luta que despedaça a República Argentina” [9]. Esses personagens estariam “(...) nos caudilhos, cujos nomes ultrapassaram as fronteiras argentinas(...)” [10].
            Sarmiento usa sua obra para justificar seus valores políticos e, assim, procura reescrever a história usando seu ponto de vista. Sua analogia tem por foco atingir Rosas, daí, produz a obra baseada na biografia de Facundo – aliado de Rosas – onde o define como bárbaro e que sua vitória representava a submissão da civilização a barbárie. Sua expectativa era de uma Argentina unida, forte e liberal e isso seria possível com um governo centralizado que a aproximava da sociedade européia e, para tanto, seria necessária a troca de um modelo político para dar lugar a outro. A antipatia de Sarmiento pelo governo Rosas era sua pretensão de dar autonomia às províncias e, ademais, o governante afundara o país em constantes guerras civis. Sua opção pelo unitarismo tem como uma das conseqüências sua formação intelectual baseada no determinismo, onde  o meio forma o homem e isso explicava a forma rústica dos gaúchos, pois viviam em um meio rústico e selvagem e isso justificava sua forma bárbara de ser para adaptar-se ao meio. Outro fator desse determinismo era a própria região geográfica onde estava assentada a Argentina. Para ele, a topografia era propensa a uma unidade, e assim, também deveria se dar com a política, ser unificada e centralizada.
            Quanto ao aspecto europeu de ser, ou seja, uma sociedade ideal para ser imitada e adotada na Argentina, leva-o a excluir da história a população indígena, considerando-as uma raça pré-histórica e que não deveria ter sido aceita pela colonização espanhola na sociedade. Concorda com os americanos que exterminaram os índios em sua conquista do Oeste. Fica assim evidente seu determinismo, onde, uma sociedade deve desaparecer dando lugar à outra, ou seja, a barbárie deveria ser eliminada dando lugar a civilização. A justificava para o massacre, se fosse preciso, seria a necessidade para o progresso e o desenvolvimento do país. Ao comentar a obra de Sarmiento, Maria Ligia Prado, em seu texto "Para ler o Facundo", diz: ”No desejo de exterminar o ‘atraso’ que se consubstanciava nos protótipos do gaúcho e do índio, promoveu campanha sistemática contra as últimas montoneras federalistas e preparou as definições da atuação do Estado contra os índios, que culminaram com a chamada ‘campanhas do deserto’ em 1880, que definitivamente emperrou os remanescentes indígenas para o sul do país” [11]. 
Essa demanda entusiástica em excluir o bárbaro da paisagem onde deve estar a civilização, tende a influenciar o escritor brasileiro Euclides da Cunha em sua produção intitulada “Os Sertões”. Euclides inicia seu livro com a geografia e não se atém ao descrever os tipos da terra. Classifica o jagunço como uma pessoa destemida, mas em contrapartida o tabaréu é ingênuo e “O sertanejo é, antes de tudo forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral” [12]. Mas Euclides não era o Sarmiento. Embora influenciado por sua obra, esteve em pleno campo de batalha e, contrário ao determinismo de Sarmiento, concebia a idéia que o homem modificava o meio e não vice-versa. Embora fosse partidário de que a civilização deva superar a barbárie, não era alheio que a própria barbárie era um ato dos civilizados em busca da defesa de seus interesses. Enquanto Sarmiento produziu sua obra no exílio, Euclides presenciou o massacre de Canudos, fato que o fez ser antagônico a posições encontradas no Facundo. Embora tenha excluído de sua obra os índios e os negros, Euclides não admite chamar uma campanha militar de justa, antes, a define de charqueada. Sarmiento define uma arma simples, como uma faca na mão de um gaúcho, como barbárie; já uma espada na mão de um oficial, um sinal de civilização. A degola, para ele, não é um massacre generalizado e uma chacina é uma campanha militar.
            O Facundo foi lido e interpretado tanto pelos partidos de direita como pelos de esquerda e dividiu as críticas. Para uns foi motivo de entusiasmo, para outros, no entanto, motivo de rancor voraz. Muito se diz de Sarmiento até mesmo que ele se tornou um inimigo da pátria por ter ajudado a espalhar ideologias externas que absorviam as pretensões e os interesse dos estrangeiros na Argentina, ou até mesmo na América Latina. A obra de Sarmiento já foi definida como biografia, produto panfletado com interesses políticos e até mesmo como bibliografia para estudos sociológicos. Seus personagens, suas paisagens são temas em seu texto que o carrega de imagens, idéias e símbolos da Argentina. O Facundo, embora seja um estereótipo de barbárie, não passa de um personagem natural do Prata. Ele é usado por Sarmiento para que esse possa estar na história e, essa história, possa ser usada para se compor um discurso de cunho com características puramente político, afim de que por esse, possa se formar uma nação segundo seu ponto de vista.
            Segundo Maria Ligia Prado, Sarmiento “Obteve êxito em sua carreira política, porque coincidentemente viveu num momento da história do país em que esses foram os lemas e as bandeiras vitoriosos (sic). Os derrotados ou esquecidos – gaúchos, índios, montoneros, federalistas, mulheres, imigrantes pobres – não puderam celebrar em igualdade de condições as conquistas dos novos tempos” [13].
Assim, Sarmiento por sua obra, discursa suas pretensões políticas e desejos administrativos em exterminar a barbárie e europeizar a Argentina, como se o modelo europeu fosse o absoluto em civilização e seus concidadãos imunes a barbárie. Politicamente, foi embaixador, governador, e presidente da República. Morreu no de 1888, mas sua obra continua a incutir na mente dos seus leitores, quer seja “bárbaro” ou “civilizado”, a concepção de quem é e como vive o “outro”.    

BIBLIOGRAFIA

CUNHA, Euclides da. Os Sertões: Campanha de Canudos; 39a Ed.; RJ 2000. Publifolha.
PRADO, Maria Ligia, - América Latina no Século XIX. Tramas, Telas e Textos: Para Ler o Facundo de Sarmiento. 
SARMIENTO, Domingo Faustino. Facundo – Civilização e Barbárie; tradução Jaime A. Classen; Ed. Vozes; Petrópolis, RJ; 1996.

Sobre o Autor

Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);
Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:
- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).


[1] SARMIENTO, Domingo Faustino, Facundo – Civilização e Barbárie; tradução Jaime A. Classen; Ed. Vozes; Petrópolis, RJ; 1996.
[2] Idem, p. 89.
[3] Idem.
[4] Idem, p. 90
[5] Idem, p. 91
[6] Idem, p. 92-94.
[7] Idem, p. 95,96
[8] Idem, p. 96-98
[9] Idem, p. 98
[10] Idem, p. 99
[11] Prado, Maria Ligia, - América Latina no Século XIX. Tramas, Telas e Textos: Para Ler o Facundo de Sarmiento. P.158. 
[12] Cunha, Euclides da. Os Sertões: Campanha de Canudos; 39a Ed.; RJ 2000. Publifolha. P.99. 
[13] Prado, Maria Ligia, - América Latina no Século XIX. Tramas, Telas e Textos: Para Ler o Facundo de Sarmiento. P. 176

domingo, 29 de maio de 2011

O Meu Desejo e a Vontade de Deus

          Roberto Albuquerque Santos


          A Bíblia nos afirma que Deus realiza os desejos de nosso coração (Sl 20). Obstante a isso, a mesma nos condiciona a orarmos em busca da vontade Dele. Afinal o que devo buscar? O que deseja o meu coração ou o que Deus tem preparado para mim? O que receberei? O que desejo ou o que Deus deseja?           
          O final do século XX foi invadido por uma pregação que tem como base a confissão positiva e, que de certa forma, incomodou (incomoda ainda?) não apenas tradicionalistas e conservadores do cristianismo no Brasil, mas até mesmo os Pentecostais: foi o movimento denominado Neo-Pentecostal.   
            

          Mesclado a essa “nova onda” de mensagem, pregadores de vários segmentos em busca de agradar seu público, despejaram (e ainda despejam) uma dose de entusiasmo e de motivação a ponto de levarem as suas platéias a acreditarem que são super-homens (crentes) e que não há dificuldade que não seja superada. Para tanto, essas pessoas utilizam passagens bíblicas onde o mar se abre; muros são derribados; onde a terra se fende e os inimigos são de todos destruídos em questão de minutos. É evidente que tais registros nas Escrituras são relatos históricos de fatos decorrentes de situações onde se fez necessária a intervenção divina naquele momento, mas isso não se caracteriza em uma regra.
           Ao analisarmos o ponto de vista dos tais, chegamos a uma conclusão que alguns princípios (Doutrinas)  Bíblicos são totalmente desvirtuados de sua essência e os ouvintes têm um prisma diferente do ensino das Escrituras.
Dentre os mais variados, podemos citar alguns pontos. Os mais atingidos são:
1 - A Fé - É apresentada como uma jóia rara e que os que a possuem, são capazes de alcançarem o imaginável. Dela e só dela depende a benção almejada; se o homem a possui, Deus está condicionado a atender a petição.
2 - A Graça - É trocada pela obrigação imposta a Deus por registros bíblicos onde o mesmo afirma cumprir a sua palavra, ou seja, o que recebemos de Deus não é por sua benignidade e compaixão, mas um cumprimento de sua obrigação em abençoar. Muito dessas "bênçãos" são ministradas aos adoradores em forma de barganha, por exemplo, "dar para receber" (se "damos" a Deus o mesmo fica obrigado a retribuir).
3 - A salvação - Não está mais condicionada no crer em Cristo, nem tampouco sua morte expiatória para o perdão dos pecados; a cruz foi trocada pela promessa de bênçãos e prosperidade e, a salvação, resume-se no simples acreditar que Jesus existe.
4 - O Espírito Santo - É o doador de uma força descomunal tornando o homem resistível às conseqüências da vida. Não o mostram como o Consolador, mas como o detentor de um poder como "de uma bomba atômica” (realmente não conhecem o Poder do Espírito Santo), e assim, Ele não é o que consola os crentes e sim o que os prepara para lutas constantes no mundo espiritual.
5 - O Evangelismo - Não visa preparar obreiros para a seara do Mestre, mas busca alavancar o número do censo evangélico da cidade ou até mesmo do país; os neoconversos são mais destinados a serem seguidores da denominação do que mesmo de Cristo; muitos são discipulados por pessoas inexperientes e sem conhecimento das doutrinas bíblicas.
            Além dos pontos acima citados, há inúmeros ritos, movimentos e sincretismos que podem ser identificados em sermões, tais como o gnosticismo, o ascetismo, e o misticismo. As liturgias por ora apresentadas em muitas igrejas se transformaram em verdadeiros ritos costumeiros e caíram em uma rotina tal que antes mesmo de se começarem os cultos já sabemos como vão findar. Muitos cultos de louvor e adoração passaram do intuito para os quais são designados para se transformarem em verdadeiros espetáculos com direito a "fumacinha" e "globos giratórios"; há "cantores" que ao invés de louvarem são louvados e aclamados. Tiram o brilho que devia ser do Cristo de Deus e não se importam de receberem estrelismo quando a eles são designados.

          É dentro dessa embalada frenética que a igreja do século XX mergulhou no século XXI: Uma multidão de gente descompromissada com o Evangelho do Nazareno e compromissados com suas idéias e maneiras de lidar com o público: A humildade foi trocada pela arrogância, a sabedoria pelo bom planejamento, a direção do Espírito Santo pela boa administração e a vocação ministerial por uma posição bem sucedida na sociedade.
            É preciso lembrar que não há humildade onde Jesus não é o Senhor absoluto; não há planejamento bem sucedido se não obtiver a aprovação divina, pois o mesmo depende de ter sido elaborado pelo Espírito Santo e este ter revelado aos homens a sua vontade e por meio deles realizar tanto o querer como o efetuar; uma igreja só terá uma administração sólida e frutífera quando o Espírito Santo tem o domínio nas vidas e quando os homens encarregados na administração da igreja são sensíveis a sua voz, presença e vontade. Ter vontade de administrar não quer dizer que tenha chamada para tal. Não é apenas um bom curso de administração que faz de um homem um líder de sucesso: é preciso ter vocação (principalmente se referindo as coisas de Deus).
            Mas qual a relevância de tais fatos em relação ao assunto abordado? A importância é saber a quem estamos disponibilizando as nossas vidas para administrarem a benção sobre nós. Precisamos saber se estamos sendo bem orientados ou não sobre a fé e sobre nossa vida cristã; se estivermos buscando saber de forma coerente ou não à vontade de Deus, ou se estamos sendo ensinados a gerenciar a ação divina sobre nós, "tirando" do Senhor as prerrogativas de Sua Soberania. Deus deu vida ao homem. Nossa existência não é uma vida inútil, mas um canal pelo qual Ele realiza seus propósitos em meio à humanidade. Por isso, precisamos saber discernir, como disse Paulo, "Qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus".

            Portanto, em nossas orações, não podemos ser egoístas e pensarmos só no que queremos sem nos importarmos com o que Deus "pensa" sobre o nosso pedido. Não podemos chegar diante dEle com prerrogativas e argumentos baseados em versículos pré-selecionados querendo fazer Deus prisioneiro de palavras registradas na narrativas bíblica. Narrativa essa onde Ele (Deus) revela a imensidão de seu amor pelo seu povo demonstrando, assim, uma graça imensurável da qual não somos dignos.
            Estou certo de que as bênçãos do Senhor são para nós e que como co-herdeiros com Cristo somos participantes das riquezas de sua glória, mas é preciso entender que também herdamos seus sofrimentos e dores, ou seja, não vivemos em um Evangelho mágico onde tudo dar certo e que jamais seremos derrotados e sempre teremos tudo simplesmente porque declaramos que o Senhor está conosco. É por Ele está conosco que sofremos, somos perseguidos, no entanto, jamais aniquilados.
            Há vários exemplos bíblicos onde os envolvidos na petição buscaram em suas orações uma intervenção divina na situação em que passaram ou uma resposta de forma a que fossem livres de tal situação vexatória ou de perigo. Há casos como o de Abraão, Raquel, Ana, entre outros, que esperaram uma providência divina para alcançarem um filho visto que, as condições físicas envolvidas (no caso de Abraão, Sara era a estéril) impossibilitavam o cumprimento da realização do desejo almejado. Nesses casos, vemos a resposta divina favorável aos mesmos. Deus cumpriu-lhes o desejo. Mas observando mais a fundo essas passagens podemos entender que o ocorrido estava fundamentado dentro de uma perspectiva divina, ou seja, Deus realizou uma obra por intermédio da resposta a essas orações (embora a Abraão tenha sido feita uma promessa).        
Vejamos:
- De Abraão descendeu Isaque do qual descendeu Israel e as doze tribos;
- De Raquel, esposa de Israel descendeu José, que foi governador no Egito e possibilitou a entrada dos seus irmãos à terra de Gósen no tempo de seca e fome em Canaã;
- De Ana nasceu Samuel, considerado o maior Juiz em Israel e o responsável pela transição do juizado para a monarquia.
            Por outro lado, vemos também exemplos de desejos não realizados, apesar de terem sido expostos diante de Deus em oração; Deus respondeu a oração, mas não concedeu o desejo dos mesmos, vejamos alguns exemplos:
- Moisés orou a Deus depois de ter sido informado pelo mesmo que não entraria em Canaã e Deus não realizou o desejo de seu coração.     
- Davi suplicou a Deus para que seu filho (o que teve com Bate Seba) não morresse, mas não adiantou.
- Paulo pediu em oração por três vezes para que O Senhor o livrasse de um "espinho na carne" e a resposta de Deus não foi a que lhe estava no coração (de Paulo).
          É evidente que ao analisarmos os dois primeiros fatos sentenciaremos o pecado dos mesmos para a não realização de seus desejos: Moisés desobedeceu e Davi adulterou e assassinou Urias por mãos de seus inimigos. Mas por que Paulo não foi atendido em seu pedido? Será que foi porquê perseguiu a Igreja? Estava Deus com rancor por causa de seus servos e não abençoou a Paulo? Não acredito nessa possibilidade.
          Quando aceitarmos a soberania de Deus em nossas vidas e oramos sem egoísmo; quando reconhecermos que de Deus vêm as bênçãos e que é por sua graça que as alcançamos e não porque a determinamos como uma confissão de fé positiva; quando entendermos o propósito divino para nós e deixarmos que o Espírito Santo nos ajude em oração nos revelando a vontade do Pai para nossas vidas, então estaremos começando a aprender a diferença entre os nossos desejos e a vontade de Deus.  

Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).




terça-feira, 24 de maio de 2011

AS CIDADES GREGAS ANTIGAS: O FASCÍNIO SOB O OLHAR CRÍTICO DA HISTÓRIA

Roberto Albuquerque dos Santos                

  
          A presente análise não tem a pretensão de ser completa. Obstante, a tal pretensão, não deixa de considerar pontos que, a vista dos autores, se tornam paradoxais. Os mesmos ao escreverem sobre a região Ática, principalmente suas cidades, diferem em diversos aspectos, desde a temporalidade à estrutura física e social; política, organização urbana; cultura, artes e empreendimentos militares; religião; distribuição populacional, e outras características das cidades que, em seu tempo (tempo trabalhado pelos autores), compuseram a região citada.
          Assim, analiso alguns pontos discutidos nos textos, centralizando essas discussões no que concerne a estruturação do aspecto físico das cidades da região citada.

ANÁLISE DO TEXTO I

1.1 Texto I
1.2– Título: A Cidade na História: Suas Origens, Transformações e Perspectivas.
1.3– Subtítulo: (Capítulo VI) - O Cidadão Contra a Cidade Ideal
1.4– Autor: Lewis Mounford (sic)
1.5 – Análise das Subdivisões dos capítulos
          O texto (capitulo VI) de Lewis está dividido da seguinte forma:


1 - Cidade e cidadão – Lewis trata do relacionamento entre a cidade física e a cidade cidadã (construções X cidadania). Alude sobre a insignificância da cidade helênica do período abrangido no que concerne à arquitetura e planejamento de suas construções; fala da pólis, e com essa, o sonho de uma cidade ideal que estaria na vida de cada cidadão; também discute a idéia de cidadão livre e, de que, assim, tudo pertenceria a todos.
2 - A forma da Cidade Helênica – Aqui, a alusão maior se faz a Acrópole e sua estrutura, a cidade alta, a montanha sagrada onde ficava o Primateu, o fogo sagrado; a Ágora, que no sopé da Acrópole, constituía a cidade baixa e reunia seus cidadãos no ginásio ou na praça pública; trata da organização urbana como desordenado (ruas estreitas e tortuosas) e o saneamento precário e inadequado em sua maioria; aborda a higienização: os banhos públicos e privados, esse último, como sendo, provavelmente, rituais específicos.

3 - A Pólis Encarnada - Neste item, o cidadão é desvinculado da cidade. Ele é analisado a partir do que possuía como identidade cidadã e não a partir do que possuía materialmente. O autor enfoca a transparência social que se impunha aos cidadãos; fala de Sófocles e Sócrates como idealistas da integridade no século V a.C.; confronta a vida pública e a vida privada com suas atividades, exigências, funções, participações, etc; retrata a educação ateniense como inigualável na formação da cidadania; ainda destaca a transição de políticos e filósofos, suas idéias e aspirações; afirma que os gregos jamais criaram plenamente uma cidade a sua própria imagem, devido a Guerra Pérsica.
4 - Regressão a Utopia – É discutido aqui a intenção, ainda, de se ter uma cidade perfeita para cidadãos perfeitos (o que ele acha impossível, daí o termo “utopia”). O centro da discussão, portanto, fica por conta do bloqueio urbano. O autor comenta a geografia da região e, declara que “as montanhas já não podiam servir de muralhas (...) e a obscuridade topográfica já não bastavam para evitar que uma cidade fosse notada por Estados mais fortes e fosse apagada do mapa” (p. 191). Assim, fica subentendida sua intenção de informar que as cidades citadas não possuíam muralhas para proteção; outro fator negativo para o bloqueio urbano, segundo o autor, foi a gênesis de uma literatura que buscava delimitar a essência de uma comunidade satisfatória; cita que “Platão, na verdade, o tentou duas vezes em Siracusa –, no sentido de dar existência real a uma cidade ideal” (p.191); aponta a busca dos gregos ao planejamento urbano, para tanto, recorrem a Hipódamo, que teria dividido a cidade em tríade (cita Aristóteles, para tanto); levanta a questão de Platão e sua obra “A República”.
5 - O desafio da Dialética Grega – Aqui, Lewis destina-se a fazer uma crítica a Platão, concernente a sua visão perspectiva a pólis e, ao seu planejamento de disposição dos edifícios e casas da cidade; é incisivo ao chamar Platão de arcaico: “Admira-nos a cegueira de Platão. A cultura grega tinha em seu tempo, chegado a um ponto de desenvolvimento que tornava necessário desafiar as formas arcaicas até então personificadas na cidade (...) Eram essas as visões nascentes dos grandes espíritos do século V. Platão não desempenhou papel algum nessa reavaliação do ‘modo grego de vida’ tradicional” (p.201), e “sua prematura cristalização nas formas arcaicas da cidade. Seu esforço resultou apenas numa tentativa de tornar a própria cidadela mais segura, contra a usurpadora cidade democrática (...)” (p.202).  

ANÁLISE DO TEXTO II
2.1 Texto II
2.2 – Título: História da Grécia
2.3 – Subtítulos: (Capitulo III) – A Grécia e os Reinos Egeus
(Capítulo VI) – Atenas e a Ática de 800 a 600 a.C.
2.4 – Autor: M. Rostovtzeff.  



          Os textos de Rostovtzeff, por sua vez, não estão divididos em subtópicos. O autor abrange a cada capítulo o assunto em questão, debatendo de forma ininterrupta, porém de forma progressiva e concisa, os temas por ele dissertados.

 
          No capítulo III ele discorre sobre a historicidade dos Egeus; suas origens, a geografia da região, a vida em sociedade (Cretenses, Micênios e Egeus), construções (edificações), religião, arte, comércio, organização política, os meios de produção a partir da propriedade rural, da pecuária e manufatura, etc. Ademais, a tais informações é adicionado um total de VII pranchas (fotos com informações arqueológicas), e figuras (desenhos) com o propósito de elucidar informações contidas no texto. Esse período ele situa entre os séculos XV e XIII a.C.
          No capitulo VI os temas abordados consistem em uma análise de como Atenas chega a liderança da península da Ática. Em primeiro momento, ele tange seu foco às diferenças entre as cidades de Atenas e Esparta (comércio e unificação política), sendo que a primeira, por acordo comum entre as cidades da região, torna-se “(...) o único centro de vida política, econômica e religiosa” (p.99), trazendo unificação à península. Destarte, entre outros temas, segue Rostovtzeff tratando do governo tripartido (Rei, Polemarca e Arconte), sobre as transformações sociais do período, divisão das obrigações militares, da economia, da criação de um Estado Democrático (fim das instituições dos clãs), disserta sobre Drácon e Sólon, sobre o conselho dos anciãos (Areópago), o governo de Pisístrato, o enfraquecimento do poder aristocrático, sobre o comercio e a política externa, a homogeneidade do exército ateniense (absorção de mercenários citas), as mudanças políticas feitas por Clístenes, a substituição das fratrias pelos demos no processo eleitoral, o orgulho dos atenienses com a sua cidade, etc. O capitulo traz três figuras ilustrativas: O palácio de Tétis, mulheres com cântaros e, uma alusão a Ulisses em seu navio, quando tentado pelas sereias (Homero). O período aludido (do texto) situa-se entre os séculos IX e VII .a.C.

PONTOS DE DISCUSSÃO  
          Dentre os diversos pontos de discussão, encontrados nos textos, pode-se destacar o que os autores explanam sobre a constituição física das cidades egéias na Ática.

 
          Lewis começa sua dissertação afirmando que “Pelo fim do século VI, a cidade helênica começara a tomar forma; (...) Até o século IV, a mais orgulhosa das cidades da Ática, senão da Ásia Menor, era pouco melhor que uma cidadezinha (...)” (p.177). A datação exposta, embora se refira a estrutura da cidade (casas, ruas, etc), não deixa de ser determinista. Sua intenção também é mostrar que as cidades da Ática não eram tão esplendorosas como relatam muitos historiadores, poetas e admiradores da região; “O retrato da verdadeira cidade helênica, que nos chega de Atenas (...) contrasta com o branco esplendor que J.J. Winckelman e seus sucessores tendiam a interpretar (...) Na verdade, a cidade visível, a cidade tangível, era cheia de imperfeições: (...)” (idem).
          Diferentemente de Lewis, no livro História da Grécia, no capítulo VI, Rostovtzeff intercala o surgimento das cidades entre 800 e 600 a.C., ou seja, ele não afirma uma data especifica, mas a intercala num período quando ressalta que “Na Grécia, entre 800 e 600 a.C., surgiu, lado a lado com Esparta (...) a cidade Estado de Atenas, o centro econômico e político da Ática” (cap. VI, p.97). Rostovtzeff não entra em detalhes sobre as características físicas da cidade, mas chega a afirmar que a cidade ou região da Ática, embora não fosse grande, possuía uma riqueza natural considerável.
          Quando Rostovtzeff detalha cidades, faz referindo-se as cidades egéias, mais particularmente aos cretenses e micênios (ilhas). As populações gregas (que ele chama de colônias), todavia, afirma ele, que essas cidades egéias (e ele coloca essa temporalidade a dois mil a.C.) as que estava localizadas na orla marítimas (continente) eram fortificadas e “cada uma delas tinha muralhas de pedra, com palácio real (...) e moradias para os súditos do lado de fora das muralhas” (p.40). E ainda: “(...) a colônia se transforma numa cidade que rapidamente assume uma aparência organizada e civilizada. Tem ruas pavimentadas, casas de vários andares, esgotos, e outros dispositivos sanitários (...)” (p.42).
          Embora a temporalidade não seja a mesma que Lewis trata em seu texto, Rostovtzeff afirma que já desde vinte séculos a.C., as cidades na região Ática eram estruturadas; Lewis sempre busca descaracterizar essa estruturação. Diz ele: “Mas não existia calçamento para evitar a lama na primavera ou a poeira no verão (...) Nas cidades menores do século V, a escassez, quando não a ausência absoluta de melhoramentos sanitários era escandalosa, quase suicida (...) Os escavadores modernos não têm desenterrado indicações de melhoramentos sanitários da moradia helênica (...)” (p.183).
          Certamente, as narrativas diferem em pelo menos cinco séculos de uma sociedade a outra. Contudo não passa despercebido o fato de que a sociedade mais antiga fosse mais desenvolvida que a posterior. Lewis argumenta que o fator para a aglomeração nas cidades (e posterior degradação da própria cidade, principalmente Atenas) teria sido a guerra do Peloponeso em 432, que, nesse tempo, ter-se-ia dado como que uma explosão populacional na própria Acrópole: “(...) os refugiados eram forçados a acampar na Acrópole, desafiando as válidas advertências contra aquela imunda concentração, proveniente da própria Delfos” (idem). Mas esse fato, o da guerra do Peloponeso, Lewis não se detém a articular como argumento de suas afirmações para a estrutura precária da cidade analisada por ele. Ele cita a guerra de forma superficial, indireta, causal; a superpopulação na Acrópole é resultado da “(...) grande praga ocorrida na Guerra do Peloponeso (...)” (idem), contudo, para ele, não parece ser a guerra o fator decisivo dessa desestruturação da cidade, pois ele não volta a se referir ao tema da guerra e se atém novamente a evidenciar a precariedade da cidade: “Isso indicaria que pelo menos algumas das casas tinham provisões sanitárias privadas, embora em parte alguma tenha eu encontrado quaisquer referências à posterior deposição de matéria fecal (...) ‘um homem esvazia seu ventre no Pireu, perto da casa onde acham as moças más’, não havendo dúvida, pois, quanto à naturalidade e à falta de sentimento de vergonha no desempenho de tais funções corporais” (p.184), afirma ele. Em contrapartida, referindo-se ao governo de Clístenes (502 a.C - época contemporânea a época a que Lewis discute a cidade grega.) –, no capítulo VI, Rostovtzeff afirma que “Nenhum grego era tão orgulhoso da sua cidade e do seu país como o ateniense (...)” (p.111).
          Enquanto Lewis é critico incisivo à estrutura das cidades da Ática (e todo seu texto tem um aspecto crítico), Rostovtzeff é analítico e ponderado em suas afirmações. Isso nos faz ter uma visão mais panorâmica acerca da região em seus diversos estágios temporais e de estruturação, tanto física como conceitual. 

Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);
Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:
- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poéticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).
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