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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Cristo “Pobre” e os Cristãos “Ricos”

Roberto Albuquerque dos Santos

Há um provérbio que reza a seguinte expressão: “O homem vale o que ele possui”. Enquanto essa máxima se regra a uma expectativa capitalista onde a inversão de valores é gritante, onde tudo é avaliado e o próprio ser humano para sobreviver negocia seu tempo como mercadoria junto a quem o emprega, não percebe junto a si a “morte por estrangulamento” das virtudes implícitas a ele concedidas no ato de sua criação. Essas virtudes – além, da razão (raciocínio) e o ato de criar (produção), entre outros – concedem a humanidade à característica de possuir a imagem e semelhança do seu criador.
Essa luta pela sobrevivência ao invés de unir os semelhantes os afasta. Embora compartilhem da mesma cultura, vivam na mesma região, falem o mesmo idioma ou adorem a mesma divindade, os que ocupam o mesmo território se digladiam em busca de poder, posses ou apenas fama. Por esse tipo de comportamento Thomas Hobbes em sua obra intitulada “O Leviatã”, afirma que o homem é lobo do próprio homem. Biblicamente, o termo simplista para a mesma situação é cobiça.
Intrínseco a uma análise antropológica essa atitude do homem é natural. Conquistar, subjugar os dominados impondo-lhes condições para sobrevivência, edificar cidades e construir sociedades e culturas, etc. Na análise Teológica Bíblica é uma expansão do pecado que se alastrou desenvolvendo no homem um sentimento indomável de domínio não importando para tanto os meios de se adquirir o poder ou governo. Em sua obra “O Príncipe”, Maquiavel explorou bem esse conceito.
Nessa atmosfera de embate, armas foram (e são) forjadas, esquemas de guerra traçados, mas não é apenas no campo bélico que o lampejo ocorre. A persuasão através da argumentação tem sido uma das maiores armas de coerção; o uso da fala inserida na propagação dos discursos tem arrebanhado a muitos. A disseminação de ideologias tanto na política como em outros segmentos da sociedade tem se tornado uma forte algema de dominação. E é nesse entrelaçar de busca por meio de superação ao outro que – inconsciente ou não – o homem manifesta o misticismo; se “apodera” dos poderes da divindade e amaldiçoa ou abençoa seu próximo. Nesse contexto não é o adorador submisso ao que adora, mas por meio de “subornos” – ofertas – fazem o objeto de culto refém de seus interesses (muitas formas de liturgias estavam atreladas até mesmo ao sacrifício humano). Enquanto o objetivo de todo culto é (ou seria) procurar moldar os seguidores à forma da divindade, no entanto, são os próprios ministros (sacerdotes) dessas divindades que lhe atribuem personalidade. Sendo assim, cada povo “criou” ou “adotou” para si um deus que lhe preenchesse a necessidade, quer seja religiosa, política, psicológica/emocional, com características de preservação (deus da chuva, da colheita, da caça, etc) e até bélica (deus da guerra). O monoteísmo semita não fugiu a regra; nem tampouco o cristianismo.
Mesmo que a Bíblia em sua narrativa conceba uma imagem divina a partir de revelações da própria divindade, os escritores bíblicos não deixaram de lhe atribuir características antropopáticas (atributos de sentimentos humanos a Deus) para que (Ele) pudesse ser compreendido pelo seu povo. Assim, há nos escritos do Antigo Testamento uma mescla de comportamentos do SENHOR. Por vezes Ele é compreensível; em outras ocasiões está irado; há momentos onde sua presença é aterrorizadora e também pode ser motivo de calma. Essa complexidade de atuação da divindade ante as mais diversas situações demonstra ter levado a uma incompreensão por parte dos seus seguidores um conhecimento mais regular do caráter do Deus a quem confessavam. Portanto foi necessário que o próprio Deus não apenas tomasse a forma antropomórfica (forma humana), mas que se tornasse homem (humano) e convivesse com eles com o propósito de se tornar conhecido. Essa última revelação de Deus entra em choque com os conceitos da personalidade descritas pela religiosidade judaica. O Logos encarnado (Jesus) revela o SENHOR como Pai amoroso, cognoscível, compreensível, bondoso, etc. Ora, o antigo Testamento não nega tais atribuições, no entanto o conceito de se servir da divindade para fins supostamente alheios à própria divindade criou uma relação mais voltada para conquistas bélicas do que um relacionamento criador/criatura, Deus/adorador. Assim, a virtude sufocada pela cobiça humana que não permite limites imposta por paradigmas, não consegue vir à tona e o homem cada vez mais se torna propenso a um comportamento alienado de uma inter-relação harmoniosa entre si.
Ao se confrontar com o sermão do monte narrado por Mateus (Mt 5-7), o leitor se vê acuado em seu próprio “eu” e sufocar em si o debater agonizante da consciência ante o teor ético do discurso o mantém no rol dos ricos em si mesmo. Essa riqueza não é material, mas é egocêntrica; está vestida de orgulho e ornada de prepotência. Ao notar que a divindade não o responde e nem corresponde às suas cobiças e anseios, lança mão da religiosidade para tal fim. Nessa religiosidade (façamos menção do cristianismo, por exemplo), formulam e crêem em um Cristo incapaz de manifestar virtudes às suas criaturas. Assim, esses cristãos esperam vingança contra seus inimigos (não deveriam concebê-los, mas têm). Tais pessoas não conseguem perdoar e não toleram a idéia de que o Cristo o possa; tais “seguidores” se enfurecem ao ver Jesus acolher o que a religião dispersou ou que transgrediu paradigmas construídos para o convívio da comunidade. Mas o Cristo crido não poderia assim fazer. Não deveria perdoar, renovar, acolher, salvar o transgressor. Dentro desse panorama o Cristo é pobre. É pobre porque ama, porque transborda em virtudes (Paulo denomina essas virtudes de Fruto do Espírito – ver Gálatas, capítulo 5). Os cristãos são ricos. Ricos em cobiça, em amargura, ira, preconceitos, tendências, inveja, etc (denominadas obras da carne – ver referência supra citada). São por determinadas situações ou semelhantes que o Cristo que ama não serve para os tais, sendo censurado e até rejeitado. Os judeus não o aceitaram porque ele não tinha ambições bélicas ou políticas. Há cristãos que ficam incomodados porque ele aceita a todos sem acepção.
Jesus não foi concebido como uma divindade pelos homens: Ele é Deus. Embora a humanidade continue concebendo e buscando meios de dominação, criando ideologias ou segmentos filosóficos, etc, a fim de vencer o embate contra seu próximo, o ensino de Cristo é que o homem ame àquele que lhe aborrece; é por isso que Ele não é visto com bons olhos por tais “discípulos” que só pensam em si mesmos. O seguem, porém interessados apenas no pão que alimenta, ou seja, pensam apenas na preservação de suas vidas; interessam-se no poder que ele tem, mas não para curar, mas para ajudá-los a vencer seus adversários; estão interessados não em repartir, mas em adquirir; não estão interessados em propagar seu nome, mas em monopolizá-lo para atrair prosélitos e lucrar em suas pretensas religiões. Nessa concepção, o homem não é apenas lobo do próprio homem, mas lobo da própria divindade que supostamente professam, seguem e adoram; apossam-se de seu nome, sua obra e usam em causa própria, ou seja, não aprendem a mansidão e humildade do nazareno, não conseguem amar o próximo como o Cristo amou, sufocando, assim, as virtudes que deveriam ser uma constante para o bem comum.
Os religiosos das primeiras décadas da era cristã são um bom exemplo do enunciado acima. Os lideres de Israel se preocupavam com a posição que ocupavam na sociedade, mesmo estando dominados por Roma. A cobiça era tanta que não tiveram a sensibilidade de notarem o Messias esperado em meio a eles e, se notaram, não fizeram caso algum. Disputavam entre si quem era o melhor, o mais sábio, o mais santo, o mais irrepreensível. Eram ricos em religiosidade e pobres em ação; ricos em superficialidade e pobres em testemunho; ricos em rituais e pobres em fé; ricos em profecias e pobres em esperança, enfim, esperavam um Messias rico como eles, mas o Messias que se apresentou estava vinculado ao que prescreveu o profeta Isaias: Era indigno (pobre), experimentado no trabalho, homem de dores. Portanto por que os “ricos” fariam algum caso dele? O que ele significaria para eles? Eles esperavam um Messias da parte de Deus que os fizessem vencer seus inimigos, que os colocassem como cabeça das nações, que os dessem riquezas e honras, que lhe satisfizessem os desejos de seus corações, ou seja, não estavam interessados no que Deus havia reservado para eles, mas no que Deus podia fazer por eles.
Embora haja uma grande censura por parte dos cristãos, em todas as épocas, quanto ao comportamento dos judeus referente a Jesus, no profundo de seu ser, como homens (seres humanos), se deixam tomar pelas atitudes daqueles. Influenciados pela atmosfera da constante vitória e prosperidade, não disciplinam sua natureza. Esperam que Deus envergonhe seus inimigos esquecendo-se que os mesmos são seus próximos, são seus semelhantes, e, portanto, ao invés de cultivarem a vingança deveriam semear o perdão; portam-se de forma intolerante com os pecadores (como se também não o fossem) e espalham um evangelho que se torna antipático por ser preconceituoso, um evangelho onde só há esperança para os membros “fiés” a “sua” denominação, pregam mais o juízo do que a Graça divina, ou seja, a pregação se torna pobre de amor, pois não representa o Cristo que ama o pecador. O cristão que o evangelho retrata ele é rico em virtudes, ou seja, não se preocupa apenas consigo mesmo, mas se esvazia de si (tornando-se pobre), renuncia o seu ego (Cristo vive nele), e propaga a mensagem da cruz onde o amor de Deus foi crucificado por todos os homens. Portanto, o cristão precisa estar atento para não se enredar à inversão de valores. O homem não vale pelo que possui, pois não pode ser avaliado. Não se pode negar a virtude e o ódio como participantes de sua natureza; ambos são intrínsecos a ele. Contudo, ao ser alcançado pela Graça divina e tendo conhecimento da Palavra de Deus; ao conhecer a complexidade da constituição de si mesmo (como as emoções e temperamentos), o cristão pode se enriquecer dos tesouros de Cristo, ou seja, se enriquecer de humildade, tolerância, bondade, amor, etc, e deixar de viver uma vida pobre e sem virtudes.                
Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).

3 comentários:

  1. Graça e Paz. Parabéns pelo blog. Com certeza é um instrumento para se expressar com sabedoria.Que vc use toda sua verbosidade para o bem da Teolgia e História. Um grande abraço. Prof. Sérgio Zabotto Ms.

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  2. É de fato engraçado como nos dias atuais há uma pregação da prosperidade como modo de bençãos divinas e que como o fato da prosperidade apenas do Espirito Santo ser vista como algo qualquer. Mesmo sabendo que a maior riqueza que nós possamos ter é a presença inegualavel do Santo Espirito de Deus nas nossas vidas, é notório como os valores são invertidos. A associação da riqueza material com as bençãos de Deus não são de hoje.Podemos achar no livro de Jó que quando ele tinha sua riqueza, suas fazendas, seus gados, servos e filhos uma vida de um verdadeiro "magnata" , rei, como quiserem(Jo 1.5)ele era considerado por todos como um homem abençoado por Deus, no entanto para seus amigos Jó valia o que tinha veremos mais pra frente o porque disso. Vemos que quando Deus o mencina a satanás dando testemunho da sua vida como um servo integro e reto(Jo 1.8) e que o próprio Deus por uma provocação de satanás dizendo que se Deus tocasse em suas riquezas Jó blasfemaria contra Deus, autoriza que satanas por sua vez toque nas riquezas de Jó, nos filhos em tudo que Jó tinha até mesmo na sua carne trazendo sobre ele ulceras malignas que conhecems como lepra da planta dos pés ao alto da cabeça. A história em si todos conhecem mas o marcante é que quando seus amigos o vieram visitar e viram a desgraça em que Jó se encontrava disseram que ele havia pecado que estava sendo amaldiçoado por Deus, mas não viram dentro de Jó mesmo naquela situação em que ele se encontrava a maior riqueza que um homem nesta terra pode ter que é a presença de Deus dentro da sua vida. Que de fato o homem não vale o que ele tem a sua volta mas que ele vale aquilo em que ele acredita, o homem vale o que Deus acredita que ele vale senão o sacrificio de cruz teria sido em vão. O nosso valor foi pago na cruz do calvario, preço de sangue que um só homem ; Jesus o filho de Deus pode pagar.
    Gostei muito da idéia do blog que as discussões aqui tratadas sirvam de crescimento espiritual para nossas vidas.
    parabens pelo artigo


    Thiago Albuquerque dos Santos

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  3. Parabéns pelo artigo bem tecido e esclarecedor para o mais simples leitor; embora sei que em algumas frases precisamos ler as entre linhas; mas como diz o ditado popular "Para bom entendedor meia palavra basta". Acredito que esta no caminho objetivo para alcançar o maior número de pessoas, pois escreves sem dar nomes, porem não deixa passar os atributos de A ou B para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões. Gostei também das boas referências utilizadas (Hobbes, Maqueável, etc.).

    Sem mais,

    Hailton de Andrade Torquato
    Bacharel em teologia pelo IETEB
    Professor do curso básico em teologia
    Organizador de palestras teologicas e
    Blogueiro.
    http://torquatoblogsspotcom.blogspot.com

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