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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O Indio Brasileiro Sob a Perspectiva de Caio Prado e John Monteiro

Roberto Albuquerque dos Santos

A historiografia do Brasil, quando se direciona a etnia, denota relatos que, quando não muitos, são obscuros ao fazerem citações sobre o contingente considerável de índios habitando a terra pertencente ao reino de Portugal.
            É comum nas publicações de história, principalmente os de cunho didático, a figura indígena ter pouca relevância na construção da sociedade que se erguia sobre terras que até então se denominavam coloniais. Sendo assim, essa população numerosa que, mesmo distribuída sob o regime tribal e espalhada nas diversas regiões da colônia, foi vista até pouco tempo, como uma figura totalmente alheia ao que se fazia em seu território, como se os mesmos não protegessem o que lhes era por direito natural. Sob este ponto de vista, a imagem do índio que habitava o solo brasileiro no período colonial é a figura de uma pessoa totalmente passiva e que, por não servir para a escravidão, foi “libertado” e trocado seu trabalho pela mão de obra de escravos provindos da África.
            No entanto, historiadores do século passado, abordaram fatores preponderantes que desfazem essa pintura teatral do índio como mero espectador do que acontece ao seu redor, e os põem em uma posição de impacto com as, até então, opiniões referentes aos mesmos.
            Desde o seu contato com o europeu, foi relegado a um tratamento que por diversas vezes foi mudado, dependendo da ocasião ou do grupo com os quais se relacionavam.

1 - Relação com os colonizadores
O litoral brasileiro começou a ter de forma intensificada a sua colonização pelos portugueses em meados do século XVI. Com essa investida dos colonizadores lusitanos, a mão de obra era necessária, porém escassa. Frustrada a tentativa de se adquirir índios de tribos que possuíam prisioneiros de guerras (por lutas com suas rivais) para transformá-los em escravos, os colonizadores organizaram expedições e, de forma abusiva, faziam prisioneiros e conseqüentemente escravos, membro das tribos que reagiam a suas investidas.
            O interesse dos colonizadores pelo índio nativo era de certo modo diversificado. Os colonos viam no índio um trabalhador pronto a ser aproveitado. Sendo assim, fora à classe indígena tratada como alavanca de força trabalhista para emergir a economia colonial. Os mesmos eram usados nas lavouras e nelas roçavam, semeavam sementes, guardavam as plantações e faziam a colheita. Além de ser usado como agricultor, o índio também foi de grande utilidade para os colonos no segmento de transporte de carga, de São Paulo a Santos, via Serra do Mar. Por sua facilidade de locomoção via mata, trilhando por caminhos inóspitos e íngremes, os mesmos eram forçados a transportarem a pé, cargas que beirava os trinta quilos. John Monteiro, em seu texto “O escravo índio, esse desconhecido”, cita o relato do Padre Antonio Vieira, onde o mesmo declara que o índio “nas cáfilas de São Paulo a Santos não só iam carregados como homens, mas sobrecarregados como azêmolas, quase todos nus ou cingidos com um trapo e com uma espiga de milho pela ração de cada dia”.[1]
            Outra forma imposta ao índio era sua utilidade como aliado sertanista do colonizador. A necessidade de se adentrar as áreas desconhecidas pelos europeus para exploração, apropriação ou até mesmo aprisionamento de índios para a escravidão, tornaram a figura do indígena um forte aliado nesse empreendimento. Embora pelas leis de Portugal, o aprisionamento e a escravidão de índios fossem proibidos, os colonos, em contrapartida, favoreciam-se do uso e costume da terra, que estabelecia o serviço obrigatório dos mesmos. Se o Reino libertava, os colonos, sob a lei da terra, tiravam essa liberdade.
            Em meados do século XVII, os colonos do Maranhão, valendo-se tanto do trabalho dos sertanistas como da conivência de autoridades que se corrompiam com favores dos comerciantes interessados na mão de obra escrava indígena, arrebatavam índios de seus inimigos e, tanto os traficavam para o comércio de escravos, como também usavam em suas fazendas. Assim, esse processo chegou a extinguir no período de quarenta anos uma média de dois milhões de índios, isso, em parte, por causa dos maus tratos que os mesmos sofriam pelos seus “senhores”. Tal tratamento dos colonos maranhenses aos vassalos indígenas dava-se pelo fato da sensação de abundância de mão de obra na Amazônia.
Nessas circunstâncias, os índios eram tratados como meros trabalhadores (escravos) dispensáveis quando não mais necessários. Dispensados não por falta de trabalho, mas por inutilidade gerada pelo desgaste de suas atribuições. Essa dispensa certamente se dava com a morte do mesmo. A imposição dos colonos aos índios foi de extenuante exploração, tanto física, como moral, psicológica e social.

2. Sob o Ponto de Vista da Metrópole
Enquanto os colonizadores exploravam a população indígena nativa com trabalho escravo, as pretensões da Metrópole eram diferentes. Em toda história colonial brasileira pode-se notar a intenção de Portugal em fazer do índio um elemento da colonização. Sendo a colônia de extensão por demais avassaladora para a Metrópole, buscava assim o Reino aproveitar toda população disponível para a ocupação do espaço geográfico; embora os índios já estivessem estabelecidos aqui, por ser seu habitat natural, Portugal procurou assim, incorporar os índios na sociedade que aflorava.
            Ao assunto, Caio Prado Junior, declara que Portugal concernente aos índios pretendia “arrancá-lo das selvas para fazer dele um participante integrado na vida colonial; um colono como os demais”.[2]
            Embora Portugal buscasse de uma forma interagir o índio a comunidade, se chocava com os interesses dos colonos que os exploravam na escravidão. Além do mais, existiam os próprios jesuítas que, em busca de uma catequese bastante particular, “digladiavam” contra os interesses dos colonos. Portanto, a Metrópole portuguesa se via em meio a essa constante batalha, sem ter também uma posição firme a impor.
            No final do século XVIII, Portugal instituiu a legislação pombalina. A mesma absorve os ideais jesuíticos “da liberdade dos índios, da necessidade de educá-los e os preparar para a vida civilizada, e não fazer deles simplesmente instrumentos de trabalho nas mãos ávidas e brutais de colonos (...)”. [3]
            Embora Portugal tenha tomado tal medida, não isolou os índios da comunhão com os colonos. Assim, além de forçá-los a falarem o dialeto português, permitia aos colonos utilizarem os indígenas como trabalhadores assalariados, para que assim, os mesmos fossem introduzidos na vida civilizada. Essa “nova” convivência com os colonos davam-lhe até mesmo o direito da miscigenação da comunidade através dos casamentos mistos.
            Embora a legislação pombalina tenha inserido o índio no meio da sociedade, isto é, como elemento da população colonial, ele continuou sendo visto como “uma raça bastarda; e como tal, foi alvo do descaso e prepotência da raça dominadora”.[4]
            É preciso deixar claro que mesmo a legislação pombalina dando liberdade aos índios, e providenciando tutores para lhes garantirem direitos junto aos colonos, os mesmos foram explorados por esses diretores de aldeias que tiravam proveito deles para aumentarem suas remunerações. 

3. Sob os Jesuítas
            Sobre este assunto, Caio Prado afirma que o regime como as aglomerações indígenas (“reduções”) sob os jesuítas e suas organizações, “não eram evidentemente os mais indicados para fazer dos índios elementos ativos e integrados na ordem colonial”.[5] Os índios eram isolados do convívio com os colonos de tal maneira que se tornavam dependentes dos seus mestres e disciplinadores; longe dos mesmos, eram incapazes de conviverem na vida social da colônia. Portanto, pode-se entender que o interesse dos jesuítas, concernente aos índios, era totalmente contrário as pretensões portuguesas referente à inclusão dos indígenas no campo social colonial. Educá-los para uma vida civilizada era necessário; a escravidão que lhes era imposta pelos colonos deveria ser extinta. Os jesuítas não viam o índio como um escravo para servir a colônia, nem tampouco para apenas a extensão de terra da colônia; ele era visto como um objeto de sua missão.
            Embora os jesuítas fossem contrários à escravidão indígena, não deixaram de fazer parte de diversas expedições para “descimentos” ou “resgate”, patrocinados tanto pelo Estado como pela iniciativa privada. Isso se deu por causa da lei promulgada em 1655 pelo rei D. João IV, que garantia os cuidados espirituais e também temporais dos aldeamentos aos padres. Essa lei foi fruto das constantes interferências do padre Viera junto ao monarca português que decidiu em favor dos jesuítas.
            No entanto, décadas mais tarde esse poder temporal jesuítico foi suspenso; “Não era possível conservar aquele poder sem comprometer todos os fins que se tinham em vista”[6]; afirma Caio Prado.

BIBLIOGRAFIA

JÚNIOR, Caio Prado – Formação do Brasil Contemporâneo; Ed. Brasiliense; 23a. ed. 1994. 7a. Reimpressão; São Paulo.
MONTEIRO, John – O escravo índio, esse desconhecido; In: Donizete Luiz Grupioni, Benzi (org). Índios do Brasil; 3a. edição; São Paulo; Global; Brasília; MEC, 2000.

Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);
-  Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).



[1] A citação de Monteiro faz referência a obra “Voto do Padre Antonio Vieira sobre as dúvidas dos moradores da Cidade (sic) de São Paulo”. 12 de junho de 1962, Instituto de Estudos Brasileiros, Coleção Lamego 42.3. Ver  “Índios do Brasil”; Donizete, Lucas. 3a ed; Global Editora e Distribuidora; p. 109.
[2] JÚNIOR, C. P. Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo: brasiliense, 23a. ed. 1994. 7a. Reimpressão 2004. p.92
[3] Idem, p.93.
[4] Idem, p. 95.
[5] Idem, p. 92.
[6] Idem, p. 94.

2 comentários:

  1. Sempre mandando bem, meu caro professor. Texto muito bem escrito e com bases concretas. Vá sempre em frente, pois estás trilhando o caminho correto.

    Parabéns!

    Em breve quero ver a matéria da demonização no Brasil.

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  2. Parabens pelo blog.
    Teologia e historia é um assunto que também me interressa,estou no 5°seméstre de história também no unifieo. Preciso de umas dicas sobre qual foi o papel da cristandade no contexto iluminista na frança.
    Me indique algum livro por favor.

    obrigado--jackson esdras

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