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terça-feira, 22 de março de 2011

Procurando Agradar a Deus

Roberto Albuquerque Santos
Proporcionar um estado de satisfação ao outro sempre foi e é um desafio a qualquer ser humano; se entre seus semelhantes o homem encontra dificuldades em agradar um ao outro, quanto mais quando se trata do seu relacionamento com a divindade a quem segue. O politeísmo desenvolveu uma forma de comunicação com as divindades através das forças da natureza. Quando a divindade estava satisfeita a natureza lhes proporcionava fartura e bem-aventuranças; já fatalidades (enchentes, secas, etc) era um indicador que os deuses estavam insatisfeitos. Mediante a essas condições não é difícil comprometer o homem a uma constante dependência de uma “força” externa, superior, de um poder invisível, de “um ser” que seja poderoso e lhe dê segurança, fartura e felicidade. Não entendendo as manifestações (forças) da natureza, o homem atribuía tais fatos à “reações dos deuses”. Esses deuses precisavam ser “desestressados” de sua ira ou recompensados por sua benevolência. Embora esse costume só tenha registro após o dilúvio, já encontramos mesmo antes desse acontecer, a tentativa do homem restabelecer uma forma de “intima” amizade com Deus.    
Ora, em primeira instância, um presente tem o objetivo de gratidão, fazer aliança, promover satisfação ou mesmo um meio de corrupção. Não há relato onde uma certa comunidade em determinado tempo honrasse uma divindade sem oferendas ou se relacionassem entre si sem a presença de um objeto de cortesia. A iniciação do oferecer acontece já na infância quando se tem noção de posse. Dividir ou ficar só para si, guardar como produto de barganha ou qualquer que for a intenção é receptiva no ser humano quando o mesmo começa a ter percepção de valor, utilidade, conveniência, dominação, etc. É nesse contexto social que as relações se clareiam, ou seja, o homem aprende que sua participação no meio do grupo depende de troca de valores, favores; que para possuir algo precisa se desfazer de outro objeto; que para alimentar um afeto (amizade, paixão, etc) é necessário compartilhar do mesmo afeto.
O ser humano tem em si a astúcia de registrar seus feitos, compartilhando, dessa forma, com sua posteridade ou com toda humanidade acontecimentos vividos em sua época. Os registros históricos que permeiam a vastidão de fatos das mais variadas comunidades mundiais trazem desde crônicas a poesias. O conteúdo desses relatos – entre outros – ovaciona heróis, dramatiza a paixão, e, não poderia deixar de ser, testemunha a tentativa exaurida do homem em agradar seu deus ou seus representantes (Profetas, Sacerdotes, etc). Entre inúmeros exemplos, podemos citar a Odisséia, de Homero, onde Ulisses procura agradar um cego oráculo que se encontra no Hades, e, portanto, para saber o caminho de volta para casa, leva a ele um bode como oferenda. Na Epopéia de Gilgamesh (poema mesopotâmico que relata o dilúvio), Upnapistim (referente ao Noé bíblico) oferece um banquete aos deuses por lhes terem poupado da inundação que subjugou seus contemporâneos.    
A Torá judaica, no relato da gênese de todas as coisas, declara em suas páginas que após a queda da raça humana em Adão e Eva (e sua conseqüente expulsão do Jardim do Éden pelo desacato à autoridade divina por sua ação em desobedecer a uma ordem direta), os mesmos habitaram na região conhecida posteriormente como Mesopotâmia e ali tiveram filhos. O primogênito chamava-se Caim; o outro citado chamava-se Abel. O mais velho era lavrador, “homem da terra”, agricultor; o outro era pastor de ovelhas, pecuarista. Embora o uso dos termos (agricultor e pecuarista) seja anacrônico essas eram a função de cada um. Conta-nos o autor do Gênesis que cada um levou uma oferta advinda do produto de seu trabalho a Deus. Houve uma manifestação graciosa por parte de Deus para Abel e sua oferta, não acontecendo o mesmo para com Caim e, conseqüentemente, para o que ofertara. Enquanto nas epopéias e mitologias o que agrada ou desagrada ao deus, soberano ou qualquer outro ser, é o tipo de oferta, a narrativa bíblica insere uma importância a quem oferta e, não propriamente ao que ofertou. Então não há dificuldades em entender que o que não agradara ao SENHIOR não fora à oferta de Caim, mas o próprio Caim.

Após o êxodo dos israelitas do Egito, o SENHOR condicionou o seu povo a observância da Lei e, com ela, a oficialização dos tipos de ofertas, animais a serem utilizados, como seria a liturgia, etc; anteriormente não era assim. Essa oficialização se deu séculos após o dilúvio; o ocorrido entre Abel e Caim aconteceu antes do dilúvio. Mas qual a relação entre os envolvidos? Nesse caso, a condição do ofertante. Essa condição não se vincula a observância da Lei ou mesmo o ser primogênito; ser ou não bem posicionado economicamente na sociedade; ser ou não religioso; ser culto, rei ou plebeu; o que importa é a intra-relação que o homem tem com Deus, com seu próximo e consigo mesmo. Nessa tríade, o agrado de Deus se manifesta em o homem está bem com seu próximo, segundo o que encontramos no Novo Testamento, quando Jesus diz que se alguém chegar junto ao altar para ofertar e atentar para o fato de que seu próximo tem algo contra ele (o ofertante),  tal pessoa deveria suspender a oferta e só efetuá-la após a reconciliação.

Mas não foi apenas a “oferta” de Caim que o SENHOR rejeitou. Há uma diversidade de relatos que apontam uma rejeição de Deus a intenções de agrado. O salmista em sua poesia afirma que se Deus se agradasse de ofertas ele a Ele as daria. Aqui o contexto nos faz entender que o melhor é lermos que se Deus se agradasse “tão somente de ofertas”, ele, Davi, as daria. As ofertas pelo pecado visavam “aplacar a ira de Deus”; o Salmo tem como conteúdo a agonia do homem frente a seu pecado que o acusa dia após dia. E isso gera uma dificuldade: como agradar a um Deus cuja natureza santa contrapõe a natureza de quem oferta em todos os sentidos? Ao mesmo tempo em que a dificuldade se apresenta ela se torna necessária; ela existe, é patente, ou seja, não existe cumplicidade ou compartilhamento da mesma natureza entre adorador e adorado. Deus é criador, Santo, etc. O homem é criatura, pecador, efêmero, etc.
Por essa razão não há nada que o homem possa fazer para conceder um estado de satisfação a Deus, pois o que a ele se direcionar a ele já pertence (ver Salmo 24). Naturalmente o recebimento por parte de alguém de algo que não possui lhe traz satisfação e, esse, por sua vez lhe concederá valor. No caso entre o homem e Deus isso é impossível. Por isso só podemos entender que a satisfação de Deus no homem se manifesta pela ação desse tomada de forma espontânea e com características que envolvam adoração e gratidão. Então não é apenas o que se leva a Deus, mas como se leva; não é apenas quando se chegar a Deus, mas como se deve chegar a Ele.
Essas prerrogativas nos levam a entender um dos muitos porquês da concessão divina ao homem do poder de escolha (livre arbítrio). Em primeiro instante, ao se imaginar que Deus se alegra ao perceber o homem tomar partido a seu favor, ao que ele escolheu e a observância de sua Lei, etc, cria-se a imagem de um Deus carente de afeto e atenção e, até mesmo, de mimo. Mas não é esse o objetivo da relação adorador e divindade caracterizado na adoração. Ao analisarmos as Escrituras temos claros registros que Deus é quem presenteia o homem; não o adora, de forma alguma, mas o ama; e o ama de tal maneira que lhe concede Graça, dons espirituais, capacidade de entender o que se encontra no mundo metafísico, ou seja, essas dádivas divinas descaracterizam a imagem de um Deus que precise do homem para obter alguma coisa. É por meio então da faculdade da livre escolha que o homem reconhece sua posição ante Deus; decide o adorar com sua vontade (razão) aliada a fé; essa adoração não fica vinculada apenas na materialização do que se oferta (ou seja, a oferta materializa o que se dar por fé), mas em como se relaciona com o restante da criação. Essa relação com o restante da criação não pode interferir na comunhão entre o homem e Deus; é do agrado de Deus que o homem conserve a natureza, pois deixou esse cuidado em suas mãos, mas não que a adore ou faça dela parte da divindade – como é o caso do panteísmo (tudo é deus e deus está em tudo). Por conseguinte, ao tomar a postura de observar o que é reafirmada na Lei mosaica sobre o amar a Deus sobre todas as coisas – essa prerrogativa é anterior a Lei, pois Deus já espera do homem tal atitude – o adorador desfruta da livre escolha alcançando um nível de maturidade (consciente ou não) tal que o mesmo não mais se condiciona a fatores internos ou externos a si tornando-se pró-ativo em sua decisão de viver para Deus, a tal ponto que a absorção do primeiro mandamento é espontânea, pois agradar a Deus é sua prioridade.
No entanto, essa decisão implica em conflitos que o adorador terá que saber contornar. Terá que subjugar seu “eu” e ir contra suas vontades; a renúncia será uma constante e seu “modus vivendis” será de todo afetado. Mesmo que a opção de viver para sua divindade pareça uma forma de vida enclausurada e alienada ou até mesmo definida como fanática, e mesmo não cabendo à opinião externa o diagnóstico da atitude tomada, o homem precisa saber lidar com tal realidade. O “confinamento”, monasticismo ou outro meio de vida onde o homem se isola para agradar a Deus não condiz com o texto Bíblico em sua totalidade; tais atitudes são – em parte – individuais, outras – em maioria – são resultados de “pura” religiosidade.
Portanto, agradar a Deus não é colocá-lo em um êxtase de satisfação pessoal em referência a quem o adora, pois não há nem sequer requerimento para isso; outrossim, a satisfação de Deus não se insurge pela forma de se entender o que seja satisfação, escolha ou bem-estar, pois Ele não necessita ser satisfeito; quando o homem sente a necessidade de Deus e o busca, confessa sua fraqueza e a Ele se entrega em adoração, a satisfação que sente em Deus o dará força e, assim, sentirá que o SENHOR em Si se satisfaz, pois, como pergunta a si mesmo o salmista, o que daria ele ao Senhor por todas as bênçãos a ele concedidas? Não encontra resposta e torna para si o ritual litúrgico que envolve invocação do nome de Deus e adoração pela salvação Nele.                       

Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poéticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).
Email: pr_robert@itelefonica.com.br

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