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domingo, 13 de março de 2011

CRISTIANISMO E PODER POLÍTICO: TUDO A VER?

Roberto Albuquerque dos Santos

Um dos maiores desafios da cristandade desde seus primeiros dias foi conforma-se ao Reino de Deus e, assim, permanecer fiel, ser luz do mundo e sal da terra; cumprir sua missão de anunciar o Evangelho do Nazareno e não se agregar aos ensinamentos dos fariseus e tampouco andar ao lado do Império.
Mas essa aliança nefasta por muitas vezes se concretizou; depois do ano 313 D.C., quando Constantino começou o processo de transformação de confissão religiosa do Império Romano, o cristianismo experimentou uma prova de fogo, onde a pureza doutrinária e a sinceridade devocional se revelariam. Essa junção, embora danosa para a cristandade, resultou em suntuosos “privilégios” para os cristãos que “representavam” uma nova forma de cristianismo: um cristianismo não professo, mas profissional; não um cristianismo da cruz, perseguido, mas um “cristianismo” que perseguia em nome de Deus e que usava a cruz para legitimar suas atrocidades. As Cruzadas, as caças as bruxas e o Santo Ofício (Inquisição), são exemplos do enunciado.
Embora o papel dos reformadores tenha sido relevante, no entanto, não deixaram – de certa forma – de se incomodar com a cisão entre o Estado e a Igreja no que concerne em que tanto a Igreja quanto o Estado eram instituições divinamente ordenadas. Assim, era inconcebível para ambos (Igreja e Estado) a presença do povo (civil) na participação direta do governo estatal ou eclesiástico. Portanto, os protestantes e o clero dominante – no que se refere à concepção vertical de governo continuaram, de certa forma, ligados. O acesso do povo às Escrituras – na Alemanha, por exemplo -, reforçou os poderes do Estado sobre o povo e a obediência destes para Aquele. Se já na Idade Média esse discurso era dogmático da Igreja Imperial, com a Reforma, se tornou uma aspiração estar ao lado do Estado. Ambos foram sensuais e facilitaram a dominação por suas ideologias, pois lançaram mão da teocracia e representação divina na terra. Mesmo que os ideais iluministas tenham provocado uma mudança de comportamento nas camadas sociais, no entanto, o arraigamento secularizado do pensamento e ensinamento religioso não deixou de mostra-se encravado na tradição popular.
O nascimento do século XX se deu em voltas do que absorveu do século anterior, onde, os governantes, embebedavam as massas com a presença heróica dos compatriotas ou mesmo a eugenia. Em volta com o nacionalismo, a sociedade oriunda nos fins do século XIX, viu implodir na metade da segunda década do século XX, uma Guerra, até então, sem igual, em mortandade, ideologia e divisão política no mundo: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Humilhada, a Alemanha foi obrigada a acatar a política de Weimar. Perto dos meados do Século passado – 1933, exatamente – a Alemanha começou a ser tutoriada pelo Chanceler Adolf Hitler. Influenciado pelas idéias de Gottlieb – filósofo alemão do século XIX – o Fünhrer alvoroçou os ideais nacionalista de um povo humilhado algumas décadas anteriormente à sua assunção política. A união do povo alemão e a instauração(ou restauração) da raça ariana eram matizes de sua política, além do nefasto desejo de humilhação/extinção ao povo considerado por ele como os “responsáveis” pelo cristianismo e até mesmo o capitalismo: os judeus.  Assim, judeus que ocupavam cargos publicos foram afastados e economias foram confiscadas. Sinagogas violentadas e casamentos com alemães proibidos.

Enquanto isso, na sociedade religiosa, os denominados “cristãos alemães”, na voz de Hermann Grüner, declarava que a plenitude do povo alemão se concretizava no Fünhrer (Hitler); Cristo estaria, assim, no meio deles por causa da ascensão ao poder de Adolf. Julius Leutheuser, Pastor – exclamou: “Cristo veio até nós através de Adolf Hitler”. Além das muitissimas confissões de apoio, músicas sacras foram versionadas ao regime do nacional-socialismo, como, por exemplo, a que expressa o nascimento de Cristo, Noite Feliz: “Noite de paz, noite santa, tudo está calmo, tudo está luminoso; só o Chanceler, tenaz na luta, vela pela Alemanha noite e dia, sempre a pensar em nós”.
Em 1933 a igreja era liderada por cristãos adeptos do regime e buscavam uma junção ecumenica das igrejas evengélicas alemãs; era um flerte entre igreja e Estado, mas não durou muito tempo. Contrário ao limite de poder (mesmo simpáticas ao nazismo as Igrejas não admitiam poder absoluto), Hitler mostrou sinais de aversão às comunidades evangélicas, criando em 1935, o Ministério dos Assuntos Religiosos. Com essa iniciativa, o Fünhrer se afastava do apoio “cristão”. Em contrapartida às atitudes dos “cristãos nazistas”, foi criada a Liga Emergencial dos Pastores (1934), por iniciativa de Martin Niemöller . Isso resultou na criação da Igreja Confessional, que redigiram na Declaração de Barmen (escrito, principalmente por Karl Barth) uma manifestação às igrejas alemãs para que as mesmas retornassem às doutrinas centrais do cristianismo e se desligassem dos objetivos do Estado. Foram reprimidos pelo governo e pela igreja estatal; em 1945, Martin Niemöller e seus seguidoes, ainda vivos – após oito anos de prisão –, confessaram ter se enganados em suas declarações contra o regime. Mas houve um entre eles que não negou seus ideais: Dietrich Bonhoeffer. Pastor luterano, conhecera Barth quando era professor de teologia, em Berlim. Junto com Niemöller fundou a Liga Emergencial de Pastores; nos anos que pastoreou igrejas (Na Inglaterra), em seus sermões, criticou duramente o regime nazista. Retornou a Alemanha em 1939, um mês após ter fugido para os EUA; para ele seria honroso participar do sofrimento do povo alemão, em sua reconstrução nacional, como escreveu a Niebuhr (Seu professor, que o acolhera nos EUA). Foi preso pela GESTAPO (policia alemã) por envolvimento contra o regime e enforcado poucos dias antes da Alemanha declarar rendição aos aliados.
A simpatia dos “cristãos nazistas” ao social-nacionalismo tinha seus interesses. Embora o nazismo tenha discursado uma nova era na vida da humanidade e tenha agido de forma contrária aos ideais proclamados, não deixou de ser sensual para se “viver a sua sombra” e continuar a ter “liberdade para professar a fé cristã”.  Nem todos tiveram a clareza do que estava acontecendo, como Bonhoeffer e outros cristãos. O País estava se reeguendo da guerra da primeira década e as medidas anunciadas envolvia criação de empregos e independência nacional, enfim era o início em busca da antiga glória perdida. Portanto, muitos continuaram na Alemanha. Alguns ao perceberem as vedadeiras intenções do governo, fugiram; outros foram perseguidos por sua raça, filosofia, ideais, politicas e até teologias. Barth e Tillich, por exemplo, tiveram que se exilar; Bultman continuo em sua cátedra sob constante pressão do Estado, buscando sempre suas reservas para não se envolver contra o regime e assim, continuar ensinando o Evangelho. Mas não foi apenas as igrejas evangélicas que foram seduzidas, induzidas e iludidas; o catolicismo também teve seus dias claros e escuros no regime. Embora pareça obscura a presença da igreja na época nazista, no entanto, houve uma reação – se não conjunta ao menos fragmentada – dos cristãos que não deixaram de se opor às pretensões do novo Fünhrer.
Provavelmente há muitas manifestações contrárias ao relacionamento Igreja/Estado, desde o primeiro século, que não temos conhecimento. Os fragmentos que chegaram a nós é o que se preservou ou se anunciou dos registros construidos a partir de um prisma antagônico ou concepcional de vertente diversa ou centrada, quer concebido de boa mente ou a história do vencedor sob seu olhar da “verdade”. Mesmo assim, a pilhagem de documentos escritos nos séculos passados (não que o documento fale por si só) nos mostram a prejucial caminhada da Igreja quando ompartilha um poder heterogêneo com a politica instaurada. Enquanto as crônicas Estatais relatam o prejuízo causado pela religião em seu governo, o mesmo se dar com o meio eclesiástico que reclama da intervemção do Estado em seus assuntos dogmáticos e administrativos. Enquanto a politca não demonstra querer ser uma religião oficial de determinado governo, o cristianismo já – de certa forma – foi visto como uma ameaça às pretensões governamentais, tanto na Europa como no Novo Mundo. Lutero já sustentava a teoria dos dois governos estabelecidos por Deus (Religião e Política). Ora, não se pode deixar de considerar que enquanto a política se preocupa com o bem estar do cidadão, a religião procura inserir nesse cidadão uma conduta ética e moral, tanto para com Deus quanto para com o Estado. Então soa a pergunta: Cristianismo e poder político: tudo a ver? Não teria sido essa a esperança da Igreja na época medieval e da Igreja alemã: Contribuir com o Estado para uma sociedade “perfeita”? Não estaria o discurso nazista em harmonia com os interesses eclesiásticos da época? Se o povo está em perfeita ordem , é disciplinado e obediente uma nação terá progresso e se erguerá do caos estabelecido. Essa filosofia se coaduna com o Positivismo de August Comte. Mas ele não foi o primeiro a pensar assim; Essa também foi a visão de Constantino, que por mais que tenha sido “bem intencionada”, mostrou de forma enfática, a existência de dois poderes paralelos.           

Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).
Email: pr_robert@itelefonica.com.br 


  
             

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