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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Ateísmo dos que tem fé

Roberto Albuquerque dos Santos
Deus...um termo ou um sujeito? Realidade, ficção ou apenas uma tese filosófica ou teológica? Um objeto da religião ante os conceitos da ciência ou uma forma do homem espiritualizar a carência por um ser poderoso que o proteja? Deus, considerado amor e ao mesmo tempo considerado injusto pela mesma pessoa; querido em algum momento e negado em outro.
O salmista afirma que o néscio implica em seu coração que Deus não existe; mas o que levaria o néscio a pensar tal coisa? Seria esse néscio apenas um tolo ou alguém que no passar dos anos se viu em uma densa tendência a desacreditar em quem ensinaram a crer?  A religião cria concepções, infunde a fé, mas não a solidifica. Nessa perspectiva Deus fica a mercê de existir ou não a quem foi ensinado, já que o que solidifica a fé é a experiência, principalmente para o cético.
Quando alguém professa sua fé na existência de Deus não entende que a partir desse momento também concebeu o tempo da existência desse mesmo Deus em sua vida. Embora pareça estranha tal afirmativa, ela se manifesta e se testemunha a partir das circunstâncias vividas por cada pessoa. Não são poucos casos de pessoas que ora são crédulas e pouco depois desacreditam que Deus possa fazer algo por elas. Nessas circunstâncias Deus não existe. Não existe porque é considerado inoperante ou insensível; não se nega Deus apenas não acreditando na sua existência, mas negar sua presença é considerá-lo não existente. Por um lado isso se concebe a partir da impossibilidade Dele não estar em todo lugar ao mesmo tempo – onipresença; por outro lado, a eficácia da incredulidade abate o entusiasmo da fé e para um homem sem fé, Deus se torna passivo, sem forças, insensível, desnecessário. Essa é a perspectiva do néscio: ele não compreende que Deus não é o que fizeram ele conceber como Deus, nem tampouco o que ele (o néscio) queira que Ele (Deus) seja, mas que Deus em sua ontologia está desvinculado de qualquer produção humana, portanto Ele não necessita da fé ou da incredulidade do homem para ser o que é.
A busca dos gregos em compreender as causas dos fenômenos naturais propôs uma nova forma de encarar a relação entre a divindade e o adorador. Por muito tempo a reação da natureza foi encarada como uma resposta dos deuses acerca de diversos assuntos. A fartura sempre foi encarada como benção; a necessidade como maldição. Ora esses fatores desencadearam uma forma de se “medir” a benevolência divina para com uma pessoa, tribo e até povos. A complexidade de circunstâncias estruturou um conceito de relação que é conhecido como religião. A religião determina formas, meios, dogmas, estruturas, etc, de como o homem deve se relacionar com Deus. Não obstante, também concebe “Deus” à sua teologia. Da mesma forma que entre os politeístas havia/há quem não criam na intervenção de divindades no destino dos homens, há quem professe Deus e o negue quando as circunstâncias não lhe são favoráveis. É nesse enlace que o crente se comporta de forma semelhante ao cético; para ele Deus tem limite de existência. O néscio diz em seu coração (pensa) que Deus não existe; o que crer diz com seus lábios (fala): “Deus não existe aqui, não está comigo, estou só”! Assim, para ele, Deus não existe. Não existir não denota não ser real, denota em negação. Ao se negar a presença de Deus se nega a onipresença; ora, onipresença é um atributo divino e se não há onipresença não há Deus. Então, até onde Deus existe para o crédulo? Até o momento em que Ele é “útil”? Até o momento em que Ele se manifesta com “rapidez”? Não seria então o néscio um crédulo em estado de frustração perante o seu Deus? Quando o salmista estava em angústia a pergunta que mais lhe feria é quando lhe perguntavam aonde o Deus que ele cria estava. Asafe, salmista, confessa que por essas razões quase seus pés se desviaram (quase se torna cético).
Embora as implicações quanto à realidade da existência divina estejam inseridas no campo da teologia, filosofia e outras tantas, todas essas conjecturas têm como base a necessidade do homem. Qual o interesse de se negar a Deus? Uma forma de rejeitar em quem tanto esperou, ou uma forma de ignorar a quem pode e parece não se importar com o que ocorre no mundo? O conceito ideológico de que Deus criou o mundo e não se importa com o que acontece nele tem encontrado bastante acolhida nos dias atuais. Não é por acaso que filosofias de vida tem ganhado adeptos a cada dia (budismo, hinduismo, etc). Não é raro encontrar cristãos professando incredulidade no interesse de Deus por ele, como já dito anteriormente. Isso não apenas revela um estado de frustração pessoal advinda – muitas vezes – de um processo que desencadeia em depressão: revela que a fé entrou em conflito e quando isso acontece o resultado é a construção de um Deus não apenas limitado ao tempo, mas a situações, conveniências, um Deus passivo e, portanto, um Deus com características humanas. Esse processo se choca com a Teologia teândrica que ensina que o homem “evolui” até alcançar a natureza divina. Ora, por outro lado pode-se notar que pelo processo de incredulidade é a divindade que é reduzida a um simples passivo à sua criação.
Esse combate ideológico acorre na vida de todo ser humano. Por mais que não se negue a existência de Deus o homem não deixa de lhe atribuir os infortúnios. Moisés, Jó, Abraão, Elias, etc, em certo momento apontaram Deus como o responsável pelo sofrimento que passavam. Em o Novo Testamento, especificamente no Evangelho que escreveu João, no capítulo 11 há a narrativa da morte e ressurreição de Lázaro. Jesus havia sido informado da  gravidade da doença daquele alguns dias antes dele morrer, no entanto, só  tomou a decisão de ir  a casa dele  após ele ter morrido, e só chegou ao destino quatro dias depois. Tanto Maria quanto Marta (irmãs de Lázaro) disseram a Jesus que se o mesmo estivesse ali enquanto Lázaro estava doente ele não teria falecido. Apesar das mesmas terem uma admiração por Jesus e uma certa postura de adoração pelo Mestre não esconderam – mesmo que num tom de suspiro e consolo – uma certa frustração pela demora de Jesus em chegar ali. A expressão “se tu estivesses aqui meu irmão não teria morrido”, revela muita coisa. Revela tanto a fé circunstancial quanto a capacidade de limitar a atuação divina a um problema; revela que o homem guia a fé por possibilidades e que Deus parece estar atrelado a operar segundo a capacidade de operação do adorador; revela que a ausência de Cristo foi notada não apenas como um amigo da família ausente, mas como aquele que poderia fazer algo e não estava lá para fazer, mesmo sendo Lázaro o amigo a quem ele amava; revela que o homem tem uma forma sutil de censurar a Deus pela forma dele lidar com suas solicitudes; revela que a esperança do homem em Deus está quando se sente Ele perto e não distante, como deixa transparecer as duas irmãs.                  
São esses dilemas que denotam que o que se aprende sobre Deus se revela quando é posto à prova de fogo. Por isso a incredulidade apaga Deus do cenário e sua inexistência se torna “real” ao néscio ou ao crédulo. A realidade de não se crer em Deus é patente ao que diz que acredita nEle. Pode-se dizer que se acredita em Deus por catequese (discipulado), por tradição e por “revelação”. Por catequese o homem é levado a crer em um “Deus” que é configurado segundo a Teologia do grupo; pela tradição o homem segue ao “Deus” de seus pais, de sua tribo, segue uma religião, um “Deus” que faz isso e aquilo, mas é incapaz de não fazer aquela outra coisa, que não é capaz de perdoar e se perdoa são os perdões que o grupo perdoaria, assim esse Deus não pode ser justiça, etc; por “revelação” o homem não aprende sobre Deus por meio de uma religião, nem tampouco o segue por tradição: é “Deus” quem se “revela” a ele. É de se admitir que esse ponto de vista seja perigoso. Primeiro porque há muitos vivendo um fanatismo desenfreado apregoando que “Deus” lhe apareceu e, assim, se enredam por acharem que não necessitam nem estar junto a uma Igreja (denominação). Em segundo lugar porque essa manifestação não tem por base um misticismo cujo conhecimento não traz nem sequer resquícios de catequese ou de tradição, e assim, o “Deus” que lhe “aparece” age de forma irresponsável, injusto, para os outros homens. São pessoas com tais conceitos formados que tem mais facilidade de se tornarem céticos com relação a Deus. Por que? Porque Deus não age segundo o querer do homem. E quando a expectativa não é satisfeita Deus se torna insuficiente. Mas a experiência com Deus não necessita de visão ou revelação. Experiência é produto da participação dos sofrimentos de Cristo; a comprovação da experiência com Deus nem sempre é vista pelo outro, ao contrário, por vezes quem chega a conhecer a Deus passa por vitupérios, não se escandaliza, não teme, nem tampouco tem sua vida por preciosa. Não está edificado em promessas de riquezas ou coisas semelhantes, mas tão somente se contenta em viver para Deus; contenta-se em sentir sua presença e adversidades não lhe são motivos para negar Deus em sua vida, de atribuir-lhe as causas de sofrimentos ou mesmo dizer que Deus não se importa com ele. Não que haja desqualificação no discipulado ou mesmo na tradição e por mais que sirvam de aio para um conhecimento primário de Deus, não são suficientes para arraigar quem quer que seja a uma fé inabalável no Deus que professa.
A depressão, frustração e outras derrocadas da vida levam o homem a canalizar essas agonias internas a algo ou a alguém; necessitado de ajuda e por se sentir limitado toma por alternativa atribuir a quem esteja mais próximo a si, a quem ama ou a quem adora (Deus) o stress da adversidade (comumente chamado de “descarregar em alguém”). Quando se atribui à Deus as causas, o sintoma é frustração; frustrado com Deus o homem deixa de amar primeiramente a si mesmo; desiludido com a vida tudo perde o sentido de ser (valor); se considera a pior pessoa da vida; acha que ninguém o ama e que Deus é apenas um espectador passivo que não lhe quer ajudar e, que por fim, desaparece de cena.                      
       
Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).
Email: pr_robert@itelefonica.com.br 

Um comentário:

  1. Parabéns, gostei muito de tudo o que eu lí,
    que Deus te abençõe hj e sempre.

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