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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Jacques Louis David: Arte e Crítica na Tela

Roberto Albuquerque dos Santos

O texto abaixo não tem o objetivo de ser uma análise biográfica ou completa da vida e obra de David; apenas uma análise icnográfica sintética de algumas de suas obras em relação ao momento político da França, em seu tempo.

Auto Retrato
Jacques Louis David nasceu na França em 30 de agosto de 1748 e morreu em 29 de dezembro de 1825 em Bruxelas. Pintor claramente neoclassicista; um dos mais importantes de sua época, assim, foi o pintor oficial da Corte e do Imperador Bonaparte.
De família próspera, estudou arte com François Boucher (Rococó) – parente distante – que o indicou a um classicista por nome Joseph-Marie Vien. Após fracassar em quatro tentativas ao prêmio de Roma, ingressou naquela escola, onde obteve inúmeros sucessos.  

Juramento dos Horácios

Uma de suas primeiras obras primas foi o “Juramento dos Horácios”, cujo trabalho se caracterizou pelo ambiente dramático e manifestação dos ideais neoclassicista. O ato de saudação romana ante a presença do pai e das mulheres (representando a família – imagem feminina demonstrando a afetividade, emoção e dor, sentimentalismo, à direita do quadro, sentadas, chorando; enquanto os personagens masculinos são mostrados à esquerda, em pé, inflexíveis, determinados) forjava a idéia que os interesses públicos estão acima dos interesses próprios, privados ou familiares. Embora o quadro tenha sido feito cinco anos antes da Revolução Francesa, apontava para os ideais republicanos, um tema que não se afastaria por muito tempo.  Este quadro levantou opiniões furiosas a seu respeito.

A Morte de Sócrates

Outra obra de grande destaque foi “A morte de Sócrates” - utilizado como forma de comunicação com os revolucionários franceses; transmite uma clara mensagem de esperança e de necessidade de luta aos iluministas; a evocação do tema em 1787 é considerada um convite para que todos os franceses questionassem a condição privilegiada do primeiro e segundo Estado. A mensagem é que por mais que demore para que os objetivos sejam alcançados, as idéias, que são eternas a partir do momento em que são registradas, conduzirão para a liberdade. A mensagem central é que não se deve temer a morte quando se tem convicção dos ideais defendidos; os discípulos ao lado extremo chorando demonstra que as emoções (tristezas) devem ser deixadas em segundo plano. Pela imagem do quadro, não importam as mentiras e injustiças que resultasse do confronto entre o iluminismo e o velho regime, o importante era o ideal de um mundo melhor sem um monarca absolutista, sem a aristocracia parasitária e sem o clero sacralizador de ambos através do catolicismo. Esses ideais teriam que ser levados até as últimas conseqüências.


Marat Assassinado

Com a obra “Marat Assassinado”, David dialoga com obras sobre o martírio de Cristo (Pietá de Giovani Bellini e a Pietá de Michelangelo). David procura retratar o personagem e não a realidade fidedigna.

  1. Semelhanças - posição do corpo na cena, gestos, ferimentos, elementos de decoração, etc. As três obras apresentam semelhanças em: os corpos sem vida e despencados. Marat, preso pelo braço na banheira; os outros Cristos estão no colo da virgem Maria. Na mão de Marat um escrito em vez das chagas; um ferimento acima do peito; um turbante em Marat faz referência à coroa de espinhos; Marat morto procura dar uma sensação de perda e de eternidade, isso é mostrado em uma inscrição no caixote "à Marat" que rompe com o efêmero e inclui na eternidade o personagem cívico. Outros pontos comuns da obra são a limpeza estética dos corpos apesar do sofrimento de ambos.
  2. Aproximações biográficas - estão mais relacionadas às causas da morte. Cristo morreu pelo que falou; Marat pelo que escreveu. Cristo não pretendia fazer de suas idéias um discurso político, seu caráter era religioso; Marat era eminentemente político e voltado para a defesa da Revolução, atuou como porta voz da multidão, enquanto Cristo não se apresentava como líder político.
  3. Uso da Iconografia católica - busca por elementos para a fabricação dos heróis revolucionários. as iconografias que estavam presentes no imaginário popular, foram apropriados pelo artista revolucionário e utilizados para a construção desses heróis revolucionários.
 Essas semelhanças têm por finalidade apresentar Marat como um “novo Jesus Cristo” – Sacrificado por um objetivo. Essas atitudes tentaram buscar a unidade da convenção montanhesa que estavam divididas com a eliminação de Herbert e Danton.
O Rapto das Sabinas

“O Rapto das Sabinas” retrata primórdios da história de Roma, quando se confrontou com os sabinos por causa de mulheres. Para David, os conflitos vividos por romanos e sabinos muito se assemelhavam aos vividos na França, que estava totalmente desorganizada. Os revolucionários que em principio estavam unidos, agora estavam em conflito. A ação de Hercília intervindo no combate entre Tácio e Rômulo impedindo que ambos se mantivessem, é uma alusão a proposta de pacificação da sociedade francesa, pondo terminantemente, um fim nas lutas políticas revolucionárias. Neste quadro, diferente dos demais, as mulheres – até então – passivas, emocionais em extremo, desequilibradas, saem de seu espaço privado e irrompem na cena pública.
O Estado é representado na figura da loba (escudo de Rômulo); mesmo entre os guerreiros, Hercília é mostrada menor que eles, não impedindo que cruzem os seus olhares. Isso demonstra que o Estado não está justaposto aos interesses individuais, ele está sendo colocado de lado. Ao se olharem, Tácio e Rômulo reconhecem os laços familiares que se formaram. Esse quadro difere do quadro O Juramento dos Horácios (ver acima), onde o olhar entre pai e filhos não é possível, pois entre eles existe algo mais importante, ou seja, o Estado representado pelas espadas. O mesmo detalhe pode ser visto no quadro Brutus (abaixo).

Brutus
Quando seus filhos chegam (mortos) em casa, Brutus também não olha para eles. Entre eles é vista uma estátua tendo o símbolo da fundação de Roma. Essas obras evidenciam de forma clara que o interesse público está acima do privado. Nas Sabinas, David propõe que o Estado naquele momento fique em segundo plano e que seus interesses não seja colocado em primeiro lugar em prol da harmonia do povo francês, que estava cansado de tantas lutas. Para David, era necessário se colocar as diferenças e conflitos de lado, se olharem e se reconciliarem como membro de uma mesma família. O quadro faz um apelo ao uso racional da emoção e o não desprezo da emoção pela razão. Para David, o ódio gerado pela revolução deveria ter fim. No quadro, a presença das crianças são símbolos dos frutos da revolução, e esses sim, deveriam ser preservados, pois se os franceses continuassem em luta, pouca coisa ou nada restaria da revolução.
Outra interpretação coloca na ação de Hercília a figura de Napoleão, que seria o responsável pela paz na França.


Napoleão em seu Estúdio

David pintou algumas mensagens retratando o Imperador Napoleão. Na obra “Napoleão em seu estúdio” - quadro não encomendado pelo Estado, mas por um escocês. Napoleão é retratado na madrugada, fato atestado pelo relógio (04h20min) e por uma vela quase consumida. Napoleão é retratado em seu uniforme, impecável, demonstrando que trabalhou toda a noite. O único deslize é um botão desabotoado no pulso esquerdo. O quadro quer passar a imagem de um homem infatigável, que dedicava o dia e a noite a nação francesa. Isso também é simbolizado na pena e no papel sobre a mesa. Perto de sua mão, sobre uma cadeira, está sua espada, o que dá uma idéia que, mesmo sendo imperador, Napoleão era um guerreiro pronto para a batalha. Na parede, uma águia simboliza a liberdade. A estátua de um leão traz a idéia de reinado, de vitória. O ambiente em que é retratado é luxuoso e de grande acervo literário além de elementos advindos de outros países. Esse cenário é para dignificar um homem como era Napoleão. Em pose digna e firme àquela hora da madrugada, Napoleão é mostrado como um homem que trabalhava para manter firme o império que conquistou.

Coroação (Sagração) de Napoleão

“A Sagração de Napoleão” tinha por finalidade promover o império. Fazia parte de um projeto de 3 quadros. Trata da coroação de Napoleão. David foi o responsável pela decoração da Igreja; queria que fosse ao ar livre, mas Napoleão recusou. Não queria ser coroado a vista do "populacho". Napoleão tinha atritos com a Igreja, a presença do Papa (convidado) visava firmar aliança. Em meio a cerimônia, Napoleão coroa a si mesmo, feito que realizou de costas para o Papa (a Igreja). Com isso queria passar a idéia que tudo que conseguira era fruto de seu esforço e trabalho. Que seu sucesso não advinha de Deus, mas dele mesmo, que seria um monarca diferente, esforçado e não dependente do clero. No quadro, o Papa aponta para Napoleão com ar de assustado, sem entender o que estava acontecendo, ou apontando para aquele que iria governar com grande sucesso. O quadro representa o homem que fez sua própria história (visão liberal); que todo resultado da revolução devia a um só homem.
Distribuição de Estandartes de Águias

“Distribuição de Estandartes de Águias” - Os personagens desse quadro contrastam em suas ações com os personagens do Juramento da Péla (abaixo) e o Juramento dos Horácios. Nesses quadros, os personagens fazem juramentos ao Estado; Nesse quadro, o juramento é feito a um único homem, assim, o individual toma o lugar do coletivo. As pretensões políticas de interesse da República já estavam se perdendo.

 Leônidas nas Termópilas

Leônidas nas Termópilas - Tem relação direta com os acontecimentos politicos-militares que marcaram aquele ano (1814). O quadro fala de força e resistência, além de coragem. Leônidas e Napoleão foram homens da guerra e perpetuaram sua história nesse campo. São figuras emblemáticas de revolução e ruptura. São símbolos de luta estimulados pelo patriotismo resistindo mesmo diante de inimigos mais numerosos e com poder militar superior.      

          Cruzando os Alpes (David)             Cruzando os Alpes (Delaroche)

Com a pintura “Travessia do Grande S. Bernardo” ou “Travessia dos Alpes” (mais conhecido) os elementos da natureza são descritos como o indicador (o vento) das vitórias apontando para frente o rabo e a crina do cavalo e o manto de Napoleão. Esse, por sua vez, olhando para o público, convida-os a participar de suas conquistas. Nas pedras, há o nome de 3 heróis: Aníbal, Carlos Magno e o próprio Napoleão.  Em contrapartida, Delaroche representa de forma antagônica o cenário de David em seu quadro. Desfigura o Imperador dando-lhe roupas acinzentadas (ao invés de coloridas e vias de David) que lhe servem apenas de proteção ao frio e não um uniforme de poderio militar. Sentado em uma montaria inferior ao destemido cavalo figurado por David.

                 
Appeles Pintando Campaspe

 Apelles Pintando Campaspe - Apelles foi considerado o maior pintor da antiguidade. Foi pintor oficial de Alexandre e seu pai Felipe. Requisitado para pintar a amante de Alexandre, Apelles se apaixona por ela; diante disso Alexandre cede-a a ele. No contexto da época, isso se relaciona com a idéia do contraste entre Napoleão e Alexandre, ou seja, Napoleão nunca havia reconhecido o valor de David, não o recompensando com um alto cargo no governo, pretendido pelo pintor. O quadro é um tipo de recado a Napoleão por David, pois o mesmo achava-se ressentido pelo não reconhecimento do imperador.

Após a queda de Napoleão, David foi considerado um dos inimigos da monarquia, porém foi anistiado por Luis XVIII que lhe ofereceu posição em seu reinado; David recusou tal oferta preferindo o exílio em Bruxelas, onde pintou outros quadros, vivendo até sua morte, por atropelamento sair de um teatro). 


Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).

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