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sábado, 19 de fevereiro de 2011

O IMAGINÁRIO DEMONOLÓGICO EUROPEU NAS AMÉRICAS

Roberto Albuquerque dos Santos

Um dos campos de estudos onde a metafísica é fundamental é a demonologia. O assunto divide os homens em qualquer estratificação da pirâmide social, cultural, religiosa, teológica e, muito mais na esfera do imaginário popular.
Advinda como um desenvolvimento aprofundado em estudo por Agostinho, o demônio ganha uma multiformidade e estatuto revestida de concretização, ou seja, se materializa para ser dissecado no campo teológico e não apenas uma personificação do mau.
Inúmeras obras foram desenvolvidas entre os séculos XVI e XVIII sobre o tema. As perseguições as manipuladoras de “dons mágicos” (bruxas, feiticeiros e outros), não têm a exclusividade do ataque dos escritores: as críticas também se objetivam quanto à presença do demônio como parte integrante dos sermões religiosos. Enquanto os “naturalistas” eram condenados por obrarem milagres em nome do Diabo, a Igreja o usava com suas obras para supliciar seus fiéis em uma analogia onde as obras contrárias a vontade de Deus (entenda-se o Rei e a Igreja) na terra eram atribuídas como obra maligna. O assunto estende-se no campo religioso, teológico e histórico, mas em síntese, a perseguição era por quem manifestasse aversão à ideologia dogmática da Igreja.
O novo mundo aprece no cenário mundial com a Europa em meio a uma reforma interna das estruturas litúrgicas e kerigmáticas de uma Igreja abalada por um movimento renascentista e iluminista, onde a afirmação carece de investigação e a “fé” é encarada como um artifício de manipulação às classes desprivilegiadas de conhecimento cientifica e literário. A ordem Jesuítica, a venda de indulgências e o Concílio de Trento surgem para fazer frente ao movimento conhecido como Reforma Protestante.
Em busca de novos adeptos, a Igreja lança missões às novas terras descobertas que em seus alforjes trouxeram – além da pregação denominacional – a figura estereotipada do Diabo inspirada no mito grego de Hades e do romano, Plutão. Peças teatrais que desde os séculos XII e XIII se espalharam entre o povo, os nobre e os clérigos – onde a Divina Comédia de Dante Alighieri retratava o inferno com detalhes – criou uma espécie de mundo paralelo entre o mundo material e o metafísico; a icnografia se estabeleceu no século XIV no mito de Pã (sátiro ou fauno), deus grego com chifres, rabo e asas, imagem que se estabeleceu no imaginário facilmente até hoje. Mas essa “pregação” aos habitantes do novo mundo – denominados religiosamente de pagãos – não foi uma exclusividade da Igreja. Colonizadores e conquistadores também se dirigiam aos índios como bestas infernais e sem espíritos; animais com forma humana. A ferocidade dos índios, sua ignorância acerca do Deus Cristão, sua cultura e antropofagia, foram argumentos para classificarem os mesmos como invólucros do Diabo. No entanto, o Diabo era uma figura inexistente, tanto no norte quanto no sul das Américas: foi “trazido” pelos Europeus.
A partir da absorção do panorama idolátrico e totalmente alheio ao europeu, os mesmo procuram realizar uma catequese radical, onde livros e templos foram queimados; altares destruídos, culturas dizimadas, povos destruídos ou escravizados. No entanto, é preciso esclarecer que a conquista espanhola, tanto territorial quanto ideológica, se diferenciou dos modos portugueses. Os espanhóis foram mais cruéis em suas investidas. Mais de quinhentos templos e nada menos que vinte mil ídolos indígenas foram destruídos. Nos locais onde existia um templo pagão (principalmente Asteca) era erguida uma igreja cristã. Os portugueses investiram mais na busca da compreensão humana, já que os índios foram reconhecidos como portadores de almas e a catequese era uma forma de expansão do catolicismo. Ademais, os índios eram uma força de trabalho útil as pretensões de produzir riquezas dentro dos “cercamentos jesuítas” para serem enviadas a Europa sem levantar suspeitas aos inspetores da coroa e aos alfandegários.
Mas quem era esse Deus que os Europeus falavam? Se uma hora ele enviara seu Filho para salvar a humanidade e libertá-los do pecado da idolatria e feitiçaria, das obras do Diabo, então por que os seus representantes escravizavam e matavam em nome dele? Não poderia eles viverem naturalmente com sua adoração? Não! Sua forma de vida foi classificada pelos civilizados como idolatria e feitiçaria. Precisavam ser libertos do diabo.
Os espanhóis desembarcaram em “suas terras” – como no Peru – a figura da bruxa. Os ameríndios andinos desconheciam a existência do fato que uma mulher manipular a natureza (ervas, plantas, orações pagãs, etc.) era está possuída pelo mal. Aliás, a dualidade mística metafísica dos índios pré-colombianos não se assemelhava com a dualidade exposta por seus algozes. Para os indígenas, os deuses eram seus protetores, e as forças cósmicas não se classificavam por bondade ou maldade: todos contribuíam para o bem estar das tribos. Seus pajés – chamados feiticeiros pelos cristãos – eram os curandeiros e representantes das divindades; eras seus oráculos, os sacerdotes que indicavas o caminho da guerra e o tempo de plantar. Era o que espiritualmente garantia a satisfação das divindades por meio de sacrifícios e intercessões junto ao mar, as rochas, a lua, aos raios, ao sol, a natureza enfim.  Na colônia portuguesa, padres se apoderavam sexualmente de mulheres argumentando que, se elas falassem alguma coisa para seus familiares o exorcismo de nada valeria, pois o Diabo voltaria com mais demônios e perturbaria mais ainda, tanto a vitima quanto os demais familiares.  Acaso fosse denunciado o atentado sexual, a mulher seria acusada de “bruxa”.
 A complexidade da religião cristã frente a forma de adoração indígena criou um impacto nas duas sociedades. Enquanto a forma do novo mundo era pouco conhecida dos europeus, a forma européia tinha um conhecimento não evangelizado dogmático ou catequético para os índios: Eles conheciam a Deus de outra forma. Mas a pregação européia criou um medo novo nos índios, o medo do Diabo e do inferno. Isso resultou em perseguição aos missionários, pois eram proibidos de falar no seu Deus e, conseqüentemente no seu adversário.
Atualmente a demonologia é também estudada no campo cientifico; a modernidade cientifica investigativa busca explicações para os acontecimentos paranormais. O Diabo não é visto em sua totalidade – por quem até os trouxe à América – como um ser maligno, mas como representação do homem explorar seu medo, seus traumas ou sua ira. Seria sua personalidade retraída, sua parte reprimida que o faz agir de forma surpreendentemente má. 
Mas o Diabo também se tornou uma figura mercantilizada. Igrejas propagam a liberdade de suas obras não em busca da libertação do homem, mas como forma de arrebanhar adeptos; o cinema protagoniza o mesmo em suas diversas facetas. Na América do Norte se tornou “Pop Star” sendo reverenciado em festas como Halloween ou dia das bruxas – festa introduzida pelos celtas (irlandeses) no século XIX. Na cultura, em Saramago (escritor português), por exemplo, ele se defende diante de Jesus e se diz vítima: “(...) limitei-me a tomar para mim o que Deus não quis a carne com sua alegria e sua tristeza, a juventude e a velhice, a frescura e a podridão, mas não é verdade que o medo seja uma arma minha não me lembro de ter sido eu quem inventou o pecado e o seu castigo, e o medo que nelas há sempre.” [1] Mas vale salientar que a figura do Diabo faz parte desde as mais remotas religiões politeístas. Essa figura não desaparece no monoteísmo. Tanto na Bíblia Judaica ou Cristã Ele é a serpente que engana o homem e aflige Cristo no deserto. Embora a ciência, a teologia ou a psicologia tenha suas variadas formas de concebê-lo, é no imaginário popular que ele se expande, e sendo incauto ou não, o homem sempre é a vítima de suas investidas. Isso resulta que a demonologia existente nas Américas é o ajuntamento da diversidade do imaginário europeu, tanto cristão ou não, produzindo uma forma de demonologia que absorve características indígenas e africanas (escravos), como também asiáticas, rica em crendices, superstições, símbolos, representantes, escritos, cultura e religiões.   
Sobre o Autor
Bacharel em Teologia formado na FAESP;
Bacharelado e Licenciado em História pela FIEO;
Palestrante, Conferencista em diversos eventos;
Professor de Teologia (IETEB - Osasco/ ITF - Embu);

Escritor de apostilas utilizadas na grade do IETEB, conforme abaixo:

- Curso Básico:  Introdução Bíblica; Antigo Testamento; Novo Testamento;
- Curso Médio: Cristologia; Livros Poeticos; Período Interbíblico
- Bacharel: Cristologia; Livros Poéticos;
- Outros: Bibliologia Geral; Arqueologia Bíblica;
Escritor de diversas Apostilas usadas em Palestras, Estudos e Seminários. Entre outros títulos, citamos: Escatologia; O Adolescente; Laços do Passarinheiro (voltado aos jovens); Liderança/Líder/Relacionamento com o Grupo; Não Sejais Meros Ouvintes (Estudo no Livro de Tiago).
Email: pr_robert@itelefonica.com.br        
Fontes:
SARAMAGO, José – O Evangelho Segundo Jesus Cristo; Companhia das Letras; São Paulo; 1991.
SOUZA, Laura de Melo e – Inferno Atlântico: Demonologia e colonização Séculos XVI-XVIII ; Companhia das Letras; SP; 1993.


[1] Saramago, p 384.

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